9.12.08

Entrevista


Eliana Mora entrevista Fred Matos
para Encontros de Escrita

setembro de 1999





"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades. "

Luís de CAMÕES [Soneto 45]


Este é um dos poemas preferidos de Carlos Frederico M. Matos, o Fred Matos. Nasceu em Salvador, Bahia, em 24/10/1952. É filho do escritor e jornalista Ariovaldo Matos e da artista plástica Dalva Matos.

Escreve poemas desde a infância, deixou suas marcas até nas areias do mar da Bahia... outros rasgou. Mas acabou reunindo sua produção e publicou neste ano de 1999 o seu primeiro livro: "Eu, Meu Outro".

O poema "Ausências", que integra o livro, foi publicado no segundo volume do "Painel Brasileiro de Novos Talentos".

Fred é um autodidata - abandonou os estudos formais no primeiro grau. E parece que isto não fez (e não faz) nenhuma falta... como vocês terão oportunidade de verificar.

EM - A sociedade de alguma maneira te cobra o "estudo" digamos assim - em termos de onde vives freqüentas etc?

FM - Só tenho esse problema para conseguir emprego, pois até para cobrador de ônibus já se exige o segundo grau. Mas, depois que consigo, as pessoas percebem que na prática isso não me faz falta para o desempenho das minhas funções. Trabalhei num banco durante 14 anos, onde fui gerente de marketing, gerente de agência, assistente da diretoria. Em 1994 o referido banco extinguiu a Diretoria Regional (da Bahia); fui demitido. Fiquei um ano desempregado, transferi-me para Campinas (SP por conta de um trabalho). Fiquei de Julho de 1995 a Dezembro de 1997. A empresa foi vendida; voltei para Salvador e já em Março de 1998 fui convidado para ser gerente financeiro. Lá permaneço até hoje.

EM - Fred, eu te pediria que contasse se teu pai ou mãe escreviam poesia, ou como era a tua casa - onde cresceste - só para sabermos mais alguma coisa de ti.

FM - Meu pai foi escritor, contista. Estreou com o romance "Corta Braço" (1955), reeditado em 1988, ano em que morreu. Um de seus livros de contos, "A Construção da Morte"foi filmado. Escreveu também peças de teatro, uma delas adaptada por AntunesFilho para a Tv Cultura [O Desembestado"]. Foi preso em 1964 e condenado em 1970 "por ter idéias". Contista. Foi editor chefe do "Jornal da Bahia" (onde formou uma equipe de jovens entre os quais vieram a ter destaque Glauber Rocha, JoãoUbaldo Ribeiro e Guido Guerra); cronista politico da Rádio Cultura e fundador dos semanários "Sete Dias" e "Folha da Bahia". Tem contos traduzidos e publicados em francês, romeno e russo.

Sobre minha mãe. Era pintora e professora de cerâmica na Escola de Belas Artes da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Infelizmente, com a invasão da nossa casa e a prisão de meu pai em 64, desestruturou-se e até hoje é prisioneira das suas fantasias.

Mas... voltando: minha casa era "um agito", sempre freqüentada por politicos de esquerda e por intelectuais ( escritores, jornalistas, cineastas, teatrólogos).

EM - Fugias do estudo formal para aprender outra coisa, ou ias aonde.....? [risos]

FM - Aqui há uma soma de fatores. Em 1967/68 eu estudava em um colégio público e dedicava-me pouco às aulas e muito à política estudantil; com o endurecimento do regime militar, a diretora da escola (que era amiga do meu pai) "aconselhou" a minha transferência para uma escola particular (a opção era a minha expulsão).

Outro fator é que eu gostava de estudar algumas matérias ( história,sobretudo) e não tinha o menor interesse por outras (matemática e ciências).

Nas que eu gostava, era comum que eu travasse discussões com os professores que (na minha opinião) sabiam menos que eu. Um dia enchi o saco e abandonei a escola de uma vez.

EM -Tu és timido ?

FM - Sou tímido sim; mas depois que me ambiento a timidez passa ao largo.

EM - Lembras de alguma coisa que tenha te marcado muito na juventude?

FM - Quando começei a cursar o ginásio e levei para casa o primeiro boletim escolar daquele ano letivo. Meu pai recusou-se a assinar como "responsável".
Comunicou depois ao diretor que eu era o meu próprio responsável e que estava autorizado a assinar o boletim. Disso não resultou um aluno brilhante, mas desde então tenho assumido, com responsabilidade, para o bem ou para o mal, as decisões que tomo a respeito da minha vida.

EM - E qual é a explicação para o nome que deste à tua página na Web, a ..."ser racional tem sido o meu desastre" ?

FM - O meu outro (aquele que escreve minhas poesias) prefereria ser um animal irracional, vivendo todos os prazeres sem a preocupação do amanhã. Já eu sou extremamente responsável: nunca chego atrasado a um compromisso, não consigo dormir se tenho uma dívida, mantenho com fidelidade um casamento de 25 anos...

EM - Como se interessou pela Poesia?

FM - Nunca fui um grande leitor de poesia, sempre li muito mais prosa que poesia. O primeiro poeta que li foi Castro Alves. Comemorávamos na escola a Abolição da Escravatura e a minha classe, acho que no terceiro ano primário, apresentou "O Navio Negreiro", cada aluno recitando um pedacinho do poema, a mim coube memorizar a estrofe mais bonita, que diz :

"Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Fôste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem rôto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...".

EM - Qual é o teu preferido, mesmo? E os de estilos e escolas diferentes. Em suma, os poetas de que mais gostas.

FM - Ganhei ao fazer 15 anos a "Antologia da Moderna Poesia Brasileira", quando tomei contato com a poesia de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade, mas, sobretudo de Cecília Meireles. Porém, a maior descoberta foi Fernando Pessoa ( em 1968 ou 69). Primeiro fiquei deslumbrado com "Alberto Caeiro" e durante algum tempo eu "psicografava" Alberto Caeiro em poemas que depois joguei fora. Ainda acho Pessoa o melhor poeta do mundo de todos os tempos, até porque, como sou monoglota, tudo o que li de poesia em outros idiomas foi de "segunda, terceira ou quarta mão".

EM - E os poetas modernos? Brasileiros e estrangeiros, antigos, eternos e vivos, com exemplos [ou trechinho de algo que tenha marcado tua vida].

FM - Dos poetas modernos devo dizer que conheço poucos. Leminski, por exemplo, eu conhecia como o compositor de "Verdura", música gravada por Caetano Veloso em "Outras Palavras". Por falar em Caetano muitas letras de suas músicas são, para mim, poemas belíssimos, como "Cajuína"; assim como as de Chico Buarque, ("Construção" e "Pedaço de Mim"), e "Pra Dizer Adeus", de Torquato Neto.

Do pouco que conheço dos contemporâneos, gosto muito de Myriam Fraga. Os culpados por essa minha desatenção para com a poesia moderna são alguns amigos meus adeptos da poesia concreta, de tudo o que eles me apresentavam como o "supra-sumo" só se salvava, ao meu ver, alguns poetas antigos que eles apontavam como precursores, entre os quais Pedro Kilkerry e Gregório de Matos. Meio fora da cronologia devo acrescentar que gosto também dos simbolistas, onde destaco Augusto dos Anjos e dele os sonetos "O Morcego", "A Idéia" e "Asa de Corvo".

EM - Fred, o que achas:

de ficar sozinho

É quando me encontro comigo, portanto nunca estou realmente sozinho.

do lugar que moras [cidade, casa, amor, filho]

Salvador é o meu labirinto.
Na casa o ninho, minha concha.
amor é onde me abrigo.
Nos filhos e filha me encontro.

de cinema

Grandes filmes, como Amarcord, de Fellini, e "Um dia, um gato".

de dinheiro

Não gosto de dinheiro, mas ainda não descobri como viver sem ele.

de música

Em música meu gosto é eclético (Caetano, Chico, Hendrix, Cartola, Dylan, Lennon, Mozart, Hermeto, Luiz Gonzaga, Caymmi, João, Gil, Tchaikovsky, Pink Floyd).

de teatro

Fiz teatro e já freqüentei muito, mas em Salvador, quase sempre só encenam "besteirol". Não gosto do gênero.

de Literatura [assim, dizes o que estás lendo, também...]

O gênero literário que mais leio é o romance. Atualmente estou relendo "Germinal" de Zola em tradução de Francisco Bittencourt.

Tenho ainda sobre a mesa o volume 20 da História da República Brasileira, de Hélio Silva; "Eros e Civilização" de Marcuse (que é "figurinha carimbada" na mesinha de cabeceira"); Nietzsche, da coleção "Os Pensadores" da Nova Cultural. E o livro do nosso amigo Maurício Rosa (Contrastes), de poesia.

da arte do povo (folclore) etc

Acho uma grande bobagem a discriminação que se faz entre arte do povo e arte erudita, para mim o que importa é a qualidade. Ademais toda arte dita erudita bebe na fonte limpa da chamada arte popular. Mozart era popularíssimo no seu tempo.

de um eclipse

São lindos os eclipses dos astros; fim do mundo é o eclipse das consciências.

do mundo de hoje

É inegável o progresso material. Assim como é inegável, por exemplo, que hoje um morador de favela tem uma expectativa de vida maior que um nobre europeu da idade média. Mas, infelizmente, é cada vez maior a concentração de renda e, o mais dramático, é que o homem continua destruindo o meio ambiente e que a espécie ainda não tenha abdicado da violência.

da Internet

Acho que em pouco tempo, com o crescimento fantástico que vem tendo, vai ser o grande instrumento democrático de comunicação, que hoje é um poder em mãos de pequenos e poderosos grupos a serviço do status quo.

da inveja

É a admiração do maldoso.

da amizade

O mais bonito dos sentimentos. É doar-se incondicionalmente.

da esperança

A última que morre.

da vida

Sobre a vida, o terceto que acompanha a minha assinatura de correio eletrônico é o que acho :

"Viver é como navegar sem rumo
e ser feliz é enfrentar o mar
e, na tempestade, não perder o prumo."

da morte

inevitável fim da curtição.

EM - E o novo milênio?

FM - Será no ano 2001, não no 2000 como a imprensa vem desinformando todo mundo; mas é só uma questão de calendário instituído pela igreja católica. Seja amanhã, seja no terceiro milênio, minha esperança é de um futuro quando as riquezas sejam mais sabiamente distribuídas, quando todos tenham iguais oportunidades de educação e saúde e, sobretudo, quando a violência (que nunca se justifica) seja uma nódoa do passado.

EM - Olha, eu vou te pedir para contar como foi o dia em que percebeste fazendo um poema [falo em sentimentos]

FM - A lembrança mais remota é de ter feito umas quadras para a minha professora no terceiro ano primário. Da infância, o único poema que ainda tenho guardado é datado de 1963 (10/11 anos) e chama-se "O Pobre e o Cego". Minha temática era política e social. Na adolescência (bendita explosão de testosterona) eu me apaixonava por toda menina bonita que via e, evidentemente, derramava copiosamente as mais lambuzadas palavras em poemas de amor. Da época não guardei nada.Em 1970 virei hippie e fui morar em Arembepe.Nessa época eu escrevia meus poemas na areia e hoje, deles, somente os seres marinhos são capazes de saber algo. Em 1974 me casei, e desde então até 1998 a minha produção poética é mínima. Nesses 24 anos somente escrevia quando a poesia ficava martelando na minha cabeça até que eu me livrasse dela colocando no papel. Em 1998, a partir de quando tive contato com as listas de poesia na internet, é que voltei a escrever.

EM - Então, por aqui ficamos, agradecendo à Internet... Um abraço, e até a próxima, Fred Matos.

"Um dia virá, pai,
quando não mais será preciso ter um dia dos pais
e todos serão felizes e poderão cantar e dançar
na mais pura luz das auroras."
(F.M.)


3.12.08

VIVERBAHIA GALERIA



























Festa da Conceição da Praia, 1946
Salvador, BA
gelatina/prata tonalizada
33,7 x 23,7 cm (39,8 x 30,0 cm)
Pierre Verger. Todos os direitos reservados

Pierre Verger


Pierre Verger nasceu em Paris, no dia quatro de novembro de 1902. Desfrutando de boa situação financeira, ele levou uma vida convencional para as pessoas de sua classe social até a idade de 30 anos, ainda que discordasse dos valores que vigoravam nesse ambiente. O ano de 1932 foi decisivo em sua vida: aprendeu um ofício - a fotografia - e descobriu uma paixão - as viagens. Após aprender as técnicas básicas com o amigo Pierre Boucher, conseguiu a sua primeira Rolleiflex e, com o falecimento de sua mãe, veio a coragem para se tornar um viajante solitário. Ela era seu último parente vivo, a quem não queria magoar com a opção por uma vida errante e não-conformista.

De dezembro de 1932 até agosto de 1946, foram quase 14 anos consecutivos de viagens ao redor do mundo, sobrevivendo exclusivamente da fotografia. Verger negociava suas fotos com jornais, agências e centros de pesquisa. Fotografou para empresas e até trocou seus serviços por transporte. Paris tornou-se uma base, um lugar onde revia amigos - os surrealistas ligados a Prévert e os antropólogos do Museu do Trocadero - e fazia contatos para novas viagens. Trabalhou para as melhores publicações da época, mas como nunca almejou a fama, estava sempre de partida: "A sensação de que existia um vasto mundo não me saía da cabeça e o desejo de ir vê-lo me levava em direção a outros horizontes".

As coisas começaram a mudar no dia em que Verger desembarcou na Bahia. Em 1946, enquanto a Europa vivia o pós-guerra, em Salvador, tudo era tranqüilidade. Foi logo seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural que encontrou na cidade e acabou ficando. Como fazia em todos os lugares onde esteve, preferia a companhia do povo, os lugares mais simples. Os negros monopolizavam a cidade e também a sua atenção. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas Verger foi buscando conhecer com detalhe. Quando descobriu o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade do povo baiano e se tornou um estudioso do culto aos orixás. Esse interesse pela religiosidade de origem africana lhe rendeu uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948.

Foi na África que Verger viveu o seu renascimento, recebendo o nome de Fatumbi, "nascido de novo graças ao Ifá", em 1953. A intimidade com a religião, que tinha começado na Bahia, facilitou o seu contato com sacerdotes, autoridades e acabou sendo iniciado como babalaô - um adivinho através do jogo do Ifá, com acesso às tradições orais dos iorubás. Além da iniciação religiosa, Verger começou nessa mesma época um novo ofício, o de pesquisador. O Instituto Francês da África Negra (IFAN) não se contentou com os dois mil negativos apresentados como resultado da sua pesquisa fotográfica e solicitou que ele escrevesse sobre o que tinha visto. A contragosto, Verger obedeceu. Depois, acabou encantando-se com o universo da pesquisa e não parou nunca mais.

Nômade, Verger nunca deixou de ser, mesmo tendo encontrado um rumo. A história, costumes e, principalmente, a religião praticada pelos povos iorubás e seus descendentes, na África Ocidental e na Bahia, passaram a ser os temas centrais de suas pesquisas e sua obra. Ele passou a viver como um mensageiro entre esses dois lugares: transportando informações, mensagens, objetos e presentes. Como colaborador e pesquisador visitante de várias universidades, conseguiu ir transformando suas pesquisas em artigos, comunicações, livros. Em 1960, comprou a casa da Vila América. No final dos anos 70, ele parou de fotografar e fez suas últimas viagens de pesquisa à África.

Em seus últimos anos de vida, a grande preocupação de Verger passou a ser disponibilizar as suas pesquisas a um número maior de pessoas e garantir a sobrevivência do seu acervo. Na década de 80, a Editora Corrupio cuidou das primeiras publicações no Brasil. Em 1988, Verger criou a Fundação Pierre Verger (FPV), da qual era doador, mantenedor e presidente, assumindo assim a transformação da sua própria casa num centro de pesquisa. Em fevereiro de 1996, Verger faleceu, deixando à FPV a tarefa de prosseguir com o seu trabalho.

1.12.08

Pimenta para acarajé e abará

Pimenta para acarajé e abará

1x de pimenta mista
½ cebola
1/2x de camarão seco defumado limpo
Gengibre a gosto
Coentro a gosto
1x de azeite de dendê

Bate no liquidificador, cozinha um pouco e ta pronto