25.12.11

o primeiro farol do continente americano - the first lighthouse on the American continent

The city of Salvador, Bahia, was the capital of Brazil during the colonial period and in the seventeenth century, its port was one of the busiest and most important of the continent, and had to assist vessels that arrived at the Bay of All Saints in search of Brazil wood and other wood-in-law, sugar, cotton, tobacco and other items to supply the European consumer market.

At the end of this century, after the tragic sinking of the Galleon Blessed Sacrament, flagship of the fleet of the General Company of Commerce of Brazil, on a sand bank opposite the mouth of Red River, the May 5, 1668, the Fort of Santo Antonio da Barra was rebuilt from 1696, during the General Administration of John of Lancaster (1694-1702), and received a beacon - a square tower topped by a bronze lantern glass, fueled by whale oil - according to the Institute Geography and History of Bahia, Brazil's first and oldest of the Continent (1698), when he was called to the Bar or Lookout Lighthouse Bar.

The logbook of the English buccaneer William Dampier in 1699, reports: "The entrance to the Bay of All Saints is defended by the imposing Fort of St. Anthony, whose lamps lit and suspended for the guidance of ships, seen at night."

Regency Decree of July 6, 1832 ordered the installation of a more modern lighthouse, built in England, to replace the old. Upon completion of the works, opened in December 2, 1839, the new lighting equipment catóptico stood on a tower of masonry Tronconi, with a range of eighteen nautical miles in clear weather.

In 1937, the old system "Barbier" (kerosene incandescent) lighting has been replaced by electric light, is celebrating the centenary of the first lighthouse to December 2, 1939.

18.10.10

Zumbi


Zumbi
Upload feito originalmente por Fred Matos

22.8.10

João Ubaldo Ribeiro, entrevista a Ariovaldo Matos


Entrevista publicada na Revista ViverBahia, edição 46, publicada em Janeiro de 1979




aretê não é virtude


Esta entrevista, do jornalista e escritor Ariovaldo Matos com J.U Ribeiro, saiu sem que nada, antes, fosse ordenado. É possível, porem, que certas respostas do romancista contribuam para explicar por que "Sargento Getulio", já traduzido para o inglês e o francês, vá ganhar dentro de alguns meses, edições em espanhol, norueguês, chinês, alemão e outros idiomas, com o aplausos de uma critica internacional que, contudo, até agora, se limita a elogios calorosos.

A questão da virtude foi a primeira a ser tratada no bate-papo com Ubaldo e o leitor merece explicação. Nas edições em português, e já são três, diz o autor: "Nesta história, o Sargento Getulio leva um preso de Paulo Afonso à Barra dos Coqueiros. É uma história de arete." Vamos ao dicionário e encontramos "aretê"como significando virtude. Existe mesmo a aretologia, dita como parte da Ética que estuda as virtudes. "C'est une histoire de vertu", lê-se na edição (Gallinard) francesa. "It is a tale of virtue", na edição americana (da Hougton Mifflin Companany) Por que virtude?

J.U. Ribeiro - Eu não emprego a palavra virtude...

A.M. - É como está, eu li, nas edições em francês e em inglês.

J.U. - Eu vou lhe explicar. Inclusive na edição nacional, eu grafei aretê errado; devia ser areté, se você quiser fazer uma equivalência rigorosa com o acento grego. Dá areté, mas eu achei aretê mais bonito. Isso foi no tempo em que eu era "Paidéia", muito preocupado com o problema da transmissão social da cultura, essas coisas... Aretê ou areté é o nome que designa a virtude do herói grego, uma virtude diferente da virtude judaico-cristã. É uma virtude no sentido muito diverso da nossa, esta geralmente identificada com a candura, a brandura, o estender a outra face. A virtude do herói grego é diferente dessa. Era a virtude do melhor, quer dizer o valor, que é semelhante ao conceito de "vertú" de Maquiavel. Eu tenho a impressão que de até para virtude, como nós entendemos, houve um estagio intermediário que é a "vertú", o valor do herói, o denodo, a dedicação, o ideal acima dele etc. Eu botei aretê mas quando fui traduzir para o inglês...

A.M. - Você mesmo fez a tradução para o inglês?

J.U. - Fiz. Quando fiz a tradução para o inglês aí achei que era dose para elefante botar aretê e ai botei virtude, inclusive para curtir a ambigüidade da coisa com o americano, que tem uma formação protestante, e tal. Aliás, eles comentaram isso e aí foram ao dicionário e pegaram a raiz da palavra virtude que vem de viris, de homem, de virilidade, machismo...

A.M. - Mas, tem essa conotação de machismo?

J.U. - Não, não. Isso não, mas me aproveitei do fato de as palavras virtude e aretê serem as únicas de que dispomos hoje.

A.M. - Você pensou muito em autores gregos, histórias gregas, essas coisas, em função do "Sargento"...?

J.U. - Pensei. Eu já li ficção muito, mas hoje leio mais poesia e leio muito ensaios. E em matéria de ficção ou de uma obra que a gente pode enquadrar no limite inexistente entre poesia e prosa, como por exemplo a "Ilíada", eu dei para ler os mesmo livros, sempre. E já li umas 10 ou 15 vezes a "Ilíada", não sei. E realmente tem alguma coisa a ver, tem. E é intencional, mas eu não pretendi "chupar" a "Ilíada". Pretendi usar um patrimônio da Humanidade. Aí, quem não lê a "ilíada" não saca.

A.M. - Com que propósito?

J.U. - Há o fato de que nós somos herdeiros dos gregos. Nós brasileiros, somos uma espécie esquisita. Nós baianos, principalmente, porque, por uma serie de fatores, ainda não incorporamos a nossa herança negra como devíamos ter incorporado. Ou, não sei. Talvez não seja o caso de estabelecer regras sobre isso, não sei. De qualquer maneira nosso lado europeu é um lado grego. Então, toda a busca pela nossa transcendência, toda a busca do entendimento do papel do ser humano na terra, a finalidade da vida, e outras questões que poderiam até ser transformadas em filosofia de botequim, tudo isso, afinal, os gregos nos trouxeram: o humanismo, enfim. Então, como eu imaginei fazer um livro humanístico apesar de fazê-lo sobre um facínora, um criminoso do interior de Sergipe, a coisa aconteceu. Eu quis mostrar, talvez, não tenho certeza de ter conseguido, que o ser humano é muito vitima, é muito fruto das circunstancias. Como o Sargento é um personagem contraditório. A pessoa lê o romance e gosta do personagem. Ele é um facínora, um monstro, um criminoso, mas o pessoal gosta porque percebe que ele tem virtude, percebe que você poderia estar no lugar dele.

A.M. - Essa simpatia pelo Sargento não decorre do fato dele ter sido traído?

J.U. - Também. Eu imagino que sim. Mas, normalmente, um facínora mereceria ser traído, não é? Mas ele, apesar de ser um facínora, de dever ser traído em nome da moral e dos bons costumes, a pessoa torce a favor dele.

A.M. - E o filme? Você tem tido noticias?

J.U. - Tenho tido boas noticias, de modo geral. Noticias, inclusive de certos equívocos. Algumas pessoas falam de "meu" filme. Ora, eu escrevi o romance e só. Assim, não se trata de "meu" filme. Ele é de Hermano Pena e Flavio Porto. Pessoas das quais gostei muito.

A.M. - Jorge Amado, em geral, não se envolve nas adaptações de filmes a propósito de romances dele. Ele concorda que se faça a adaptação e tal. É esta a sua atitude?

J.U. - É, também é. Porque eu não quero me meter no cinema, não tenho nada a ver, não sei nada de cinema, não é minha transação. Eu não me meto. Nesse filme "Sargento Getulio", eu fiz duas "falas" que me pediram. Eles precisavam de uma costura. Lá na carpintaria cinematográfica deles foram necessárias duas "falas". Como eles não sabiam escrever "sergipês" eu fiz para eles.

A.M. - "Sargento Getulio" é todo em "sergipês"?

J.U. - Todo, todo. Um fenômeno interessante. Um fenômeno que nós podíamos curtir uma conversa de horas é esse da linguagem do "Sargento Getulio". Porque eu não inventei língua nenhuma. Eu vivi aquele negocio e ta lá, é um livro oral, se se pode dizer assim. Não inventei uma única palavra. Pelo contrario, eu busquei a reprodução possível da linguagem oral. Entretanto, houve duas reações representativas desse elitismo ao qual nos temos referidos nesta conversa. A primeira reação é a de quem não está acostumado a uma linguagem não literária. A linguagem literária é a das belas letras. A linguagem de gente que sabe escrever, de gente que tem educação, tem nível, não é essa porcaria que nós falamos no dia-a-dia. E segundo é a falta de habito do brasileiro de ver sua própria linguagem no livro. Eu tive exemplo de fazendeiros e tabaréus que viram aquilo e não gostaram de "Sargento..." porque estavam acostumados a ler coisas bem escritas e não aquele negocio que ele ouve todo o dia lá na fazenda dele.

A.M. - A linguagem usual, a do dia-a-dia, então afastou esse tipo de leitor, é isso?

J.U. - É, afasta. Há um caso de um coronel, pessoa ilustrada, meu amigo, que não entendeu nada. Ele esperava uma historia assim do tipo "era um peão rude, de fazenda. Daqueles que criados na dureza do trabalho do dia-a-dia, impedido ainda de participar da vida da mesma forma que nós outros", e tal e tal, essas coisas. Ele não gostou do "Sargento..."


colonialismo cultural

João Ubaldo Ribeiro já concluiu outro romance "Vila Real". E prepara um livro de contos, alguns publicados em revistas nacionais e estrangeiras, ainda sem titulo. Prefere falar sobre "Vila Real":

- É um romance a respeito do qual alimento algumas duvidas, não sei por que mas alimento. É sempre assim.

A.M. - A propósito de que, qual o tema?

J.U. - É a respeito de posseiros daqui do Nordeste. Um povo de posseiros que é desterrado constantemente e que acaba resolvendo brigar pelo direito de ficar nas terras.

A.M. - Grilagem, essa coisa?

J.U. - É, é. Mas só que nesse caso não é grilagem de latifundiário, é grilagem de uma companhia de mineração internacional. Uma multinacional. Não fica claro porque tudo é visto pela ótica do posseiro, mas é uma multinacional, até porque eles falam uma língua estrangeira. Você sabe que tem por aí, não é, você sabe. Pois é sobre isso.

A.M.- Alguma relação, de algum modo, com o "Sargento Getulio"?

J.U. - Sim, claro. Eu acho que só se escreve sobre a infância. Eu acho a única coisa possível, a ótica da infância, é como se escreve. A não ser que você queira escrever de obrinha. Negocio como "vamos fazer um best-seller aqui, me dê aí uma grana". Neste caso, quando você vira redator e não escritor, é diferente. Mas quando você esta sendo um escritor mesmo, um ficcionista, eu acho que você só escreve sobre a infância, de um forma ou de outra. Como minha infância é uma infância sergipana, eu acho que sempre vou escrever sobre ela. Sergipana ou itaparicana.

A.M. - Vila Real existe, é Bahia, é Sergipe?

J.U. - Não, não existe. Que eu saiba não existe uma Vila Real. Deve existir porque é um nome comum. Deve existir umas !0 "vilas reais", por aí. Mas, a área eu não imaginei nada especifico. Imaginei uma área do Piauí pra cá, até o sertão da Bahia. Não pensei em circunscrever nada.

A.M. - Certamente tem um riozinho no meio da coisa...

J.U. - Ah, tem. Tem rio. Tem vários rios. Tem o rio Japiau, tem o rio Triste-e-Feio. Alias, tem um rio Triste-e-Feio na Chapada Diamantina, mas não foi nele que pensei. Mas tem.

A.M. - Você se considera um lírico?

J.U. Não (rindo), me considero um épico! Não, estou brincando... No fundo é possível que você tenha razão, talvez eu seja um lírico como qualquer brasileiro é, qualquer tocador de violão. Um fenômeno observável na literatura brasileira em geral é que nós não temos realmente romancistas. Temos dois ou três romancistas. Temos, em geral, poetas. Temos elaboradores de palavras. Por exemplo, nós temos um grande romancista brasileiro, grande mesmo, um homem que morreu moço - e a gente pensa que ele é velho - que foi José de Alencar. Era um poeta. Ate hoje você pode verificar que as categorias lógicas européia não dão para entender José de Alencar. Você tenta e não consegue. Fala-se em Chateaubriand, em romantismo, fala-se nisso, naquilo, mas você aí escreva "Verdes mares bravios de minha terra natal" e isso emociona. Não importa se está mal escrita ou bem escrita. Emociona, pronto. Iracema é um mulher inexistente? É, tá certo, é. Ubirajara é um índio que não existe? É, não existe mas me fala na alma de alguma forma.

A.M. - Temos poucos romancistas?

J.U. - É, temos mais poetas. São poucos os ficcionistas. Um Henry Filds, o autor de "Tom Jones", "Moll Flandres", um Dickens, um Balzac, um incrível fazedor de enredos, é difícil de você encontrar no Brasil. Você encontra o fazedor de climas poéticos, até mesmo os mais secos, como Graciliano Ramos. Você veja "Angustia", "Vidas Secas", não são livros de enredos no sentido clássicos na narrativa européia. Não tem aquelas tramas retadas, aquelas coisas assim típicas do romance europeu, não, não tem.

A.M. - Talvez um José Geraldo Vieira...

J.U. - É, ele é. Eu ia falar nele. "A Túnica e os Dados", tal, é. "A Túnica e os Dados" é um romance que tem um enredo, uma transação complicada. Eu me lembro que assombrou minha infância um abscesso que uma personagem tinha, um abscesso na coluna, tal, e tal. "Vila Real" não tem isso. È um romance brasileirozinho. É muito mais para José de Alencar do que para Machado de Assis - e eu sou alencariano.

A.M.- Agora, vamos conversar sobre crítica e críticos. Como é que você vê a coisa?

J.U. - Críticos literários?

A.M. - Eles. Os de arte. Todos.

J.U. - Eu me lembro da frase de Salvador Dali que nós dois já curtimos juntos. Foi quando ele apareceu na tevê. Um sujeito perguntou: "Que é que o senhor acha dos críticos?". Ele respondeu: "Os críticos tem como missão especialíssima equivocar-se em tudo". E de certo modo é verdade, talvez. Eu não dou muita importância aos críticos. Inclusive eu acho que muitos críticos brasileiros são responsáveis pela manutenção da mentalidade colonizada e subordinada, elitista, na intelectualidade brasileira. O intelectual brasileiro metido a "esquerdinha", e porque é metido na verdade não é, se esquece de uma coisa básica: a "práxis" é o que define uma atitude de vida. É muito fácil você ficar professando determinadas posições popularescas e escrever de uma forma que acaba por levar o povo a detestar-se, a educar-se, se se pode dizer assim, contra si mesmo. Desde a sua aparência até as coisas que gosta, a comida, etc. Em fim, tudo.

A.M. - Você concorda, porem, com o fato de que a critica e os críticos já exerceram um papel positivo, na pratica?

J.U. - Ah, sim, claro que sim. Acho mesmo que temos responsáveis ignorados pela consciência nacional, heróis da consciência nacional, como Mario de Andrade. Temos ainda homens como José Veríssimo, João Ribeiro, como Silvio Romero, Tristão de Athaíde, mais recentemente, Álvaro Lins, homens responsáveis pela preservação de uma consciência nacional, ainda que de uma forma de certo modo vinculada à tradição lusitana, européia. Homens como Gilberto Freyre, a quem se pode fazer restrições, mas homens que são responsáveis dessa consciência brasileira que muita critica rasa, irresponsável, estruturalista, babaca, não identifica, não reconhece. Muitas vezes esses caras, as vezes uns cabeludos, chegam do exterior. É, de vez em quando chegam aqui uns catequistas, da Europa, de outros lugares. Claro que não estou dando uma de colonialista em cima do europeu, querendo reverter o relacionamento. Não quero ir lá converter o europeu. Mas, chega de eles chamarem os crioulos africanos e nós de selvagens quando eles é que atuam como selvagens, dizimam os crioulos, fazem guerras de 15 em 15 anos - e continuam chamando a gente de selvagens. Ora, chega! Nós selvagens, e eles lá com um Stálin de 15 em 15 anos, um Hitler...

A.M. - O que que esse pessoal do exterior mais assinala, assim, de representativo, no "Sargento Getúlio"? A critica, por exemplo...

J.U. - Na verdade, para mim seria até interessante assinalar alguma percuciência na critica americana que elogiou de forma unânime o meu livro. Eu gostaria de dizer que são críticos inteligentes e tidos por informados. Inteligentes eles são, até por terem atingido as posições que atingiram. Mas são desinformados. O livro, nos Estados Unidos, foi muito bem recebido por razões de modo geral que não tem a ver com nossa realidade. O problema é que no Brasil é uma cultura que não se afirmou, que não existe em relação ao mundo. Lá fora se tem uma noção extremamente vaga sobre o que existe aqui no Brasil. São aplicados à analise da realidade brasileira estereótipos e bobagens variadas. Isso em tudo, inclusive na literatura. Eles não dizem que é um livro tecnicamente bem executado, e tal, e tem um apelo humano que eles não entendem, mas apenas sentem. Então, eles tentam racionalizar isso de varias formas. Resultado é que escreveram muita besteira. Poucas vezes foi escrita tanta bobagem sobre um livro em função de um contexto cultural exterior quanto se escreveu sobre o "Sargento Getúlio" nos Estados Unidos.

A.M. - E na França?

J.U. - Na França eu só li um artigo que saiu no "Le Monde". Um comentário elogioso, tal, mas também de quem não está entendendo nada. É um negocio na base do "la bas". O pessoal fica aplicando categoria européia de pensamento... Porque, de fato, sobre o Brasil o europeu não sabe nada. Quer dizer, sabe as coisas que são boas para o europeu. Então, eles estão olhando para o meu livro como um produto interessante vindo de um colonizado. Inclusive a articulista do "Le Monde" fala que eu uso um estilo europeu de narração. Ora, que presunção dessa francesa! Ora, mas é natural. Eles pensam que são o centro do mundo. Que os outros comem comida podre e tal.

A.M - Vejamos mais a critica no Brasil. Você concorda em que houve um tempo em que a critica exerceu um papel importante, no Brasil. E que, não tão de repente, mas aos poucos, ela foi assumindo um papel...

J.U. - De distanciamento entre leitor e o escritor? Concordo.

A.M. - Em que medida a Universidade participa disso? Você já foi professor de Ciências Políticas na Universidade, deve saber melhor do que nós.

J.U. - Participa na medida em que a Universidade também é colonizada. Porque há muito tempo - e nós ainda não percebemos isso direito - à guisa de atualização cultural, de atualização tecnológica, tal, e eu sou um exemplo vivo disso, nossos programas de aperfeiçoamento universitário são conduzidos em moldes estrangeiros, a exemplo do que acontece agora com os programas de mestrado, de PhD, de doutorado, em bases estrangeiras. Então temos toda essa gente fora daqui se formando assim e daqui importamos padrões do exterior. Aí você pergunta: "Você é contra que se utilizem as conquistas obtidas lá fora?" e respondo claro que não, não sou débil mental. Mas, no momento em que você não dispõe de um suporte cultural que dê resistência à sua própria identidade, então você vai sempre importar algo de postiço, artificial, que é o que se vê hoje em todos os setores da vida brasileira.

A.M. - Os exemplos nacionais disso, dessa tecnoburocracia, são conhecidos. Dê um exemplo exterior. De Brasileiro assim no exterior.

J.U. - Temos um critico da maior dimensão, do maior valor no sentido acadêmico, e acadêmico porque no sentido utilitário ele não tem valor nenhum, Wilson Martins. Ele não tem passado em brancas nuvens, é um homem com quem eu não posso discutir uma porção de coisas. Agora, posso discutir todas porque ele não sabe de nada do que tem aqui. Ele é americano. Ele mora lá nos Estados Unidos algum tempo e virou americano. Sabe como quê, mas é americano. Então, ele não sabe nada a meu respeito. E fica dizendo besteira. Adotou, inclusive, uma atitude meio "passé"... É engraçado como a pequena burguesia e o consumidor são vitimas de si mesmos... Tentaram transformar Jorge Amado, que é um patrimônio da cultura brasileira, num objeto de consumo, "consumiram" Jorge Amado, passaram um ano inteiro - revistas paulistas e publicações como "Pasquim", você sabe disso - a esculhambar Jorge Amado pelas razões mais mesquinhas e equivocadas e agora já se voltou de novo, Jorge Amado está voltando de novo porque o que permanece tem mesmo de permanecer. E Wilson Martins que está fora daqui, assim como José Guilherme Merquior, que está na Europa, ficam a aplicar padrõezinhos engraçadinhos e a dizer completas tolices. Não sabem o que está acontecendo, são incapazes de avaliar, inclusive, que tipo de literatura está surgindo no Brasil.

A.M. - Você, como autor, seria um exemplo?

J.U. - Eu, inclusive, sou humilde para dizer: eu posso estar até fora da corrente, mas eu não sou critico literário, não tenho obrigação de saber. Estou escrevendo meus livrinhos. Eles é que teriam ou tem. Mas, um está ensinando na América, outro na Europa, a dizer bobagens, a fazer burrices, a incrementar todo esse negocio de "criticar" que no fundo é raiva estruturalista contra a literatura brasileira, a tratá-la como um objeto estranho que não tem nada a ver com suas vísceras. Enfim, a aplicação de categorias que não tem nada a ver com nossa realidade.

A.M. - Me diga uma coisa: você tem participação política...

J.U. - Restrita, sim, tenho. Escrevo umas coisas... Eu tenho uma preocupação política, ao invés de participação.

A.M. - Preocupação, certo. Isso atrapalha sua literatura, de algum modo?

J.U. - Não, pelo contrario. Porque eu acho que nenhuma pessoa tem o direito de se alhear do processo que afeta seu destino. Do contrário não tem o direito de se queixar. Então, é dever primordial, é tarefa básica de todo cidadão participar da vida política, ainda mais num contexto subdesenvolvido, no qual nós somos privilegiados. Queiramos ou não queiramos, queixemo-nos ou não nos queixemos da vida nós estamos muito melhor do que a maioria das pessoas aqui. Estamos tomando um uisquinho, comendo, vamos sair para jantar e tal, então eu não tenho direito - e acho que ninguém tem - de me alhear. Claro que eu defendo o direito do sujeito escrever sobre qualquer coisa. É outra coisa. Mas para que você possa escrever sobre borboletas, lírios e não sei-mais-o-quê é preciso que alguém, antes, tenha estabelecido a garantia desse direito seu. Do contrario você não escreve sobre borboleta não, você escreve sobre a mãe de Hitler e coisa e tal.

A.M. - Pensar politicamente, escrever a sério, etc., nada disso impede você, ou qualquer outro, de escrever apenas para divertir. Ou você não acha?

J.U. - Sim, claro, acho. Inclusive há mal-entendidos quanto a divertir porque no Brasil o escritor, o dramaturgo, enfim, os homens que fazem arte, têm uma certa idiossincrasia contra se divertir. Mas fazem bobagem, estão por fora, na medida que a Humanidade precisa divertir-se. Afinal de contas que merda é que distingue a humanidade do resto? Divertir não é necessariamente uma palavra gratuita. Você pode colocar a coisa numa formulação primaria, o divertir educado, essa coisa, mas no fundo há um pouco disso também. Porque os jogos da Humanidade, as coisas que a Humanidade tem feito, coisas que se disfarçam sob muitas capas, são a própria construção da especificidade da Humanidade, me parece. Afinal, nós não somos bichos.

Permanecem uns frescos a repetir tolice segundo a qual jornalismo e literatura são incompatíveis. No bate-papo de J.U. Ribeiro com Ariovaldo Matos essa questão foi também abordada. Como se segue:

J.U. - Começar a escrever, como?

A.M. - Com quantos anos você começou a publicar coisas?

J.U. - Se você chama publicar, editar, com 17 anos. Eu tinha 17 anos e foi o finado Flavio Costa quem me falou sobre se eu não teria um conto para o suplemento literário do "Jornal da Bahia", há exatamente 20 anos.

A.M. Não me lembro desse conto.

J.U. - Saiu. Chamava-se "Lugar e Circunstância", ilustrado por Lauzir e diagramada por Misael Peixoto. Eu me lembro que o conto ia sair num domingo e não saiu. Eu acordei às 5 horas da manhã, fiquei esperando a banca abrir, o sujeito me entregou o jornal, eu paguei e abri e não tinha o conto. Eu passei uma semana atroz, mas o conto saiu.

A.M. - O jornalismo empatou você em literatura?

J.U. - Não, não. Ajudou muito, ajudou muito. Claro, se você não for uma pessoa de estrutura excepcional tem a tendência a fazer mal uma das duas coisas. Porque você ou se obceca com seu lado jornalístico ou com seu lado escritor e tende a negligenciar um dos dois lados, principalmente se você tem um projeto qualquer, importante, ligado a uns dos dois lados. Mas, é muito melhor você ser jornalista e escritor do que você ser mestre-de-obra e escritor. Eu tenho certeza de que meu treino em editorial, que é um negócio difícil, você tem que vestir a roupa de terceiros para assumir um ar que não é seu, tem que se submeter a uma serie de restrições de estilo, foi um treino muito útil. É um treino de redação de primeira qualidade.

A.M. - na medida que o jornalismo abre o mundo para o profissional... Conhecer gentes, realidades...

J.U. - Claro, claro, claro! Eu sou por natureza, embora não pareça, uma pessoa voltada... Quero dizer, sou uma pessoa de poucos amigos, me dou com pouca gente, reconheço isso. Quando eu voltei à redação, depois de muito tempo fora da redação, voltei relutante, me foi muito útil. Inclusive, dá uma certa lição de humanidade, de relatividade das coisas, cuja noção você perde na medida que se afasta da vida de um jornal, qualquer jornal, onde você vive todo tipo de gente, de situações, todo o tipo de deformação profissional, todo tipo de vaidades. Dentro de uma redação você tem uma visão muito clara da humanidade e é bom, é didático, eu acho, para um escritor.



3.7.10

Jorge Amado, entrevista a Ariovaldo Matos

Entrevista publicada na Revista Viver Bahia, edição Julho/Setembro de 1978.



Apesar do preço (Cr$150,00) “Tieta do Agreste” mantém-se há 37 semanas na lista dos livros mais vendidos em todo o país e também isso - sobretudo se se considera ter esse romance quase 600 páginas - testemunha a imensa popularidade de Jorge Amado no Brasil. No exterior, seus romances estão traduzidos em dezenas de idiomas, inclusive em chinês e japonês. O cinema, e não só o brasileiro, tem aproveitado suas historias para filmes. É autor de eventuais letras para canções, notadamente em parceria com Dorival Caymmi, amigos os dois há mais de 40 anos, a exemplo da famosa cantiga “É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar”.

O poder de criação de Jorge Amado é notável: fez teatro com “O Amor do Soldado” , literatura juvenil com “O gato Malhado e a Andorinha Sinhá” , contos esparsos, e o “Era uma vez três irmãs” (no romance “Terra do Sem Fim”) pode ser incluído entre os mais belos poemas em prosa da língua portuguesa. Segundo nota de Sergio Milliet, o que parece espontâneo foi arduamente trabalhado. Jornalista profissional, Jorge Amado escreveu, década de 40, anos da II Guerra Mundial, crônicas e artigos em “O Imparcial”, de Salvador, defendendo a participação do Brasil na luta antinazista e, ao mesmo tempo, oferecendo argumentos a favor da redemocratização do país.

Viveu, igualmente, a experiência de editor, dirigindo a coleção “Romances do Povo”, da Editorial Vitória. Graças a essa iniciativa foram traduzidos para o português romances magníficos, entre os quais “Donos do Orvalho” do haitiano Jacques Roumains e “Os Mortos Permanecem Jovens”, da alemã Anna Seghers.

De quando em quando acede a fazer palestras, conferencias. A ultima delas, a convite do ICBA e nesse instituto proferida, obteve excelente repercussão. Como que conversando, ele transmitiu ensinamentos práticos sobre o oficio de escrever, narrando por exemplo, como lhe surgiu a idéia de criar um dos seus mais típicos personagens: “Quincas Berro D’Água”. É que no Recife ele conheceu um cidadão gordo, alegre, que decidiu se libertar de uma família chatíssima. Vai daí...

Coleciona obras de arte, bonecas, ajuda sem paternalismo todos os que o procuram e têm talento, mantém fidelidade às suas convicções políticas, entendendo que, na realidade, começou a se tornar escritor com o romance “Cacau”.

E ama a Bahia e os baianos. Não por acaso é uma pessoa alegre, otimista, bom de boas comidas, bom de bons vinhos e de refrescos: quem quiser homenageá-lo indique onde é ainda possível encontrar uma cajuada de caráter. Além disso, é um cara responsável: se recebe uma carta, responde. Se não pode atender esse ou aquele convite, diz porque. Cuida-se contra assédio demasiados e isso é natural: ele precisa de tempo para trabalhar porque vive do que escreve.

paisagens e literatura: gregos lembram os baianos


A.M. ─ Em que medida a paisagem baiana o influencia no seu trabalho de ficcionista?

J.A. ─ A paisagem em que sentido?

A.M. ─ A geografia por exemplo.

J.A. ─ Eu acho que está presente em minha obra. Não é a presença mais forte, evidentemente A paisagem humana é mais, eu acho. Tanto a paisagem da capital, onde se desenrola uma parte da minha obra, quanto a paisagem do cacau. Esta, eu creio, é ainda mais presente, mais densamente presente do que na parte relativa à cidade da Bahia. Ainda assim ela está na cidade da Bahia. Uma paisagem, no entanto, que intencionalmente busca guardar memória de certos valores paisagísticos, antes tão característicos e hoje sofrendo, de certo modo, a agressão de monstruosos edifício situados quase sempre onde não deviam estar. Esta paisagem assim agredida não é aquela que está mais diretamente presente na minha obra.

A.M. ─ A presença é a da paisagem de ontem?

J.A . ─ Exato. Na minha obra está mais presente a paisagem como ela era antes e assim para guardar memória de como ela era, de como ela existia. Mas essa paisagem tampouco é elemento fundamental no meu trabalho.

A.M. ─ E o mar?

J.A. ─ É personagem importante o mar baiano. Meus livros começam e acabam no mar. Ele funciona muito em meus livros. É natural. Nós estamos aqui numa península, rodeada de mar, este mar que é uma beleza extraordinária. É um privilégio que nós temos o de viver na Bahia, viver com este mar em torno de nós.

A.M. ─ É sabido que você tem grande vivência internacional. Em “Confesso que Vivi”, Pablo Neruda narra episódios ocorridos na Ásia, na Europa etc., nos quais você aparece.

J.A. ─ Já viajei muito e ainda viajo.

A.M. ─ Conhece todos os continentes? Você viaja por gosto?

J.A ─ hoje eu viajo mais para lugares que eu já conheço e amo. Quer dizer, vou mais a certos lugares... Aquela ânsia de conhecer lugares novos já não tenho tanta. Andei o mundo todo, tirando a Austrália. Conheço grande parte do Oriente longínquo e do Oriente próximo. Conheço um pouco da África. Conheço a Europa muito bem e a América, seja a América do Sul, seja a América do Norte. Mas, sobretudo, conheço a Europa. Viajei a Europa toda.

A.M. ─ Das cidades estrangeiras que você conhece quais as que mais lhe lembram aqui a Bahia? Pergunto não apenas do ponto de vista da paisagem física e sim mais em termos de gentes.

J.A. ─ Você não fala em paisagem física, evidentemente. Se falássemos em termos de paisagem física teríamos que citar Lisboa imediatamente. Dizem que Luanda parece muito com a Bahia. Eu não conheço Angola, espero conhecer, não sei, mas tenho a impressão que a Bahia deve lembrar ao mesmo tempo cidades Portuguesas, e cidades africanas. Há coisas em Dacar, por exemplo, que lembram muito a Bahia, não é?

A.M.─ Não me lembro bem. Estive lá ligeiramente, horas...

J.A.─ Da maneira de ser do povo nós também somos misturas do negro,do ibérico, de gente vindas de todas as partes, e disso essa nossa doçura... por exemplo: eu acho que certas coisas da Grécia, dos gregos, certas coisas que recorda a Bahia, certas coisas dos portos meridionais, por ali. O viver da Grécia de certa forma me lembra o viver da Bahia.

A.M. ─ A vida intensa naquelas cidades marítimas...

J.A. ─ Cidades marítimas cheias de vida, de animação, de amor à vida, de vontade de fazer coisas, de realizar, capacidade de rir. Nisso os gregos se parecem mais conosco do que os próprios portugueses que são mais da melancolia, às vezes.

Doçura sem subserviência

A.M. ─ Os baianos estão mudando e, se estão, em que sentido?

J.A. ─ Evidentemente, estão mudando.

A.M. ─ Para o bem ou para o mal?

J.A. ─ Para o bem ou para o mal é você colocar as coisas de modo demasiadamente simples. Para bem um pouco, para o mal bastante. Quer dizer que talvez se esteja pagando muito caro pelo chamado progresso que, às vezes, não é exatamente progresso. O crescimento é feito não em função do povo, mas, às vezes, às expensas do povo. Sim, o homem baiano está mudando. Acho que o homem muda mais lentamente do que a sociedade. As coisas estão mudando, mas o homem, felizmente para nós, no caso do homem baiano, conserva ainda seus valores fundamentais certamente já atingidos pela sociedade de consumo. Já atingidos por tudo isso, tudo que esse tipo de progresso traz de violência de crueldade, de dificuldades, de limitações de toda espécie. Mas, eu tenho para mim que os valores fundamentais do povo ainda estão conservados: a sua resistência, a sua capacidade de alegria...

A.M. ─ De que modo esses valores se expressam?

J.A. ─ A meu vê se expressam na vida que o povo leva. A vida é muito dura, é muito difícil para o povo. Viver é quase um milagre e esse milagre o povo realiza diariamente. No entanto, apesar dessa dificuldade, dessa dureza, o povo não perde sua capacidade de rir, não perde sua capacidade de superar tudo isso e ir para adiante. A cortesia do povo, do homem pobre baiano é coisa extraordinária.

A.M. ─ É nesse sentido que você diz ser o povo baiano o mais doce do mundo?

J.A. ─ É. Eu poderia dizer também que é um povo extremamente educado e usaria mesmo o termo “civilizado”, bastante. Civilizado no sentido de que tendo uma doçura interior enorme, ele não tem nenhuma tendência a se dobrar, a se curvar. Para mim o que define o homem da Bahia é que o mais pobre homem da Bahia sente-se igual ao homem mais rico, isso no sentido de que ele te trata com a maior cordialidade, com a maior gentileza, com a maior doçura, mas ele quer, igualmente ser tratado por você da mesma maneira. Se você trata de cima, ele imediatamente se modifica, não aceita e não admite.

Quem promove a Bahia é ela mesma

A.M. ─ Você tem consciência de que é um eficaz “vendedor” da Bahia no Brasil e no Exterior?

J.A. ─ Todo escritor é um pouco isso. Todos nós que escrevemos sobre uma temática baiana fazemos a Bahia mais conhecida. Levamos as emoções, os sentimentos, a vida do povo baiano a outras terras, a outros povos, a outras gentes. Enfim, fazemos a Bahia mais conhecida, seja dentro do pais, seja no exterior. Mas, outros também o fazem muito. Um homem que realmente tem feito isso é Caymmi, são outros músicos como Caetano, Gil, vários outros, Waltinho Queiroz, Jocáfi e Antonio Carlos, são os interpretes, enfim todo o pessoal promovendo muito a Bahia, mas, não se trata da intenção de “vender” uma imagem. Há artistas plástico como Caribe, Mario Cravo, Jenner Augusto, tantos outros. Eu sou um desses e há outros escritores. Cada vez que traduzem um conto teu, um conto de Vasconcelos Maia, um poema de poeta nosso, a Bahia está sendo promovida.

A.M. ─ Diz-se que os baianos são os principais agentes turísticos da Bahia lá fora. Você concorda com isso?

J.A. ─ Eu acho que quem promove a Bahia é ela mesma, quer dizer, o próprio povo. E a Bahia no sentido de sua beleza, paisagística, dos seus costumes, dos hábitos, aquilo que o povo cria. Naturalmente os baianos são patriotas do seu pais, mas não são no Brasil, nem de longe, os mais bairristas. O baiano não é bairrista. Você vê que todo o mundo vem para aqui, o baiano acolhe. Mesmo no meio intelectual, você tem na Bahia uma circulação enorme de talentos vindos de outras partes do país e mesmo do estrangeiro. Tome por exemplo, o caso de Hansen Bahia, o grande gravador alemão.

A.M. ─ Em termos comerciais residir na Bahia não lhe causa prejuízos?

J.A. ─ Não creio. Sou um homem que vive dos direitos autorais dos meus livros. Eu mesmo escrever, por exemplo, para revistas, jornais, faço isso muito pouco. Se eu estivesse no Rio ou em São Paulo estaria mais próximo de jornais e revistas. Mas, eu pouco colaboro. Em geral colaboro mais fora do Brasil, fora da Bahia, em geral na Europa. Fora disso eu vivo mesmo é dos direitos autorais dos meus livros. Acho que em qualquer parte onde more é a mesma coisa. Pago os mesmos impostos, more aqui ou em qualquer parte do Brasil.

Livro e personagem preferidos

A.M. ─ E por falar em livro, uma vez você disse que “Tenda dos Milagres” é o seu melhor romance.

J.A. ─ É.

A.M. ─ Por que?

J.A. ─ Eu acho que das coisas, dos livros que escrevi, é aquele que me parece mais importante, se algum tem importância esse é o que terá mais. É um relato da luta do povo baiano, do povo brasileiro por conseqüência, contra o preconceito racial, contra o atraso, na luta pela mestiçagem que eu acho uma coisa muito importante para o Brasil. É, eu creio, um livro que trata as qualidades maiores do povo baiano. Por isso é o livro de minha preferência, entre quantos escrevi. Continuo a acha que é a melhor coisa que fiz.

A.M. ─ De todos os seus personagens, qual aquele do seu melhor agrado, aquele que mais o acompanha?

J.A. ─ Eu diria que é Pedro Arcanjo, do “Tenda dos Milagres”. Pedro Arcanjo, eu creio, é um personagem complexo, que não é fácil, que não é simples. Diria que ele é uma representação do povo, não só nas suas virtudes iniciais como também na sua possibilidade de avançar.

A.M. ─ Como você vê o quadro atual da literatura baiana?

J.A. ─ Acho que há alguns escritores muito importantes, todos os conhecem, todos sabem quais são. Não vou repetir nomes desde as gerações que vieram do modernismo (ainda vivi, com toda a sua poesia, o mestre Godofredo Filho) até os jovens que estão aparecendo aí. Gente que me parece muito boa, muita gente, não é? Evidentemente nem tudo é bom. Sou muito otimista. A Bahia sempre deu uma poderosa contribuição para a literatura brasileira. E eu creio que neste momento você conta com um grupo de poeta de alta qualidade. Mas, sobre tudo me anima essa pletora de jovens que aparecem nos suplementos, fazem jornaizinhos, sai um numero, outro não sai mais. Tudo isso é muito importante.

A.M. ─ Quais os artistas plásticos e cantores baianos com os quais você mais se identifica?

J.A. ─ Me identifico mais com aqueles cuja obra decorre diretamente da cultura popular. Sempre defendi a tese de que a importância da cultura da Bahia provém de que ela nasce da criação popular. Ou seja, se você toma nossa escultura moderna, a nossa melhor pintura moderna, a nossa plástica em geral, você vai encontrar suas raízes no artesanato daqueles que fazem e faziam, emblemas e figuras para o candomblé, por exemplo, ou daqueles que faziam imagens católicas. Dessa cultura nasce ao meu ver, a arte plástica. A nossa literatura também está extremamente ligada à cultura popular baiana, à vida popular. A nossa musica, enormemente. Na musica essa ligação é vital, é total, é completa. É evidentemente como em todos os tempos e em toda a criação artística e literária, existe sempre dois pólos: uma criação que tenha suas raízes no povo e uma criação elitista que busca a...

A.M. ─ Você entende por elitismo a arte erudita?

J.A. ─ Não. Eu acho que a arte pode ser extremamente erudita. Não gosto é do termo “erudita”. Não estabeleço uma linha de separação na arte. Ou seja, uma arte popular é uma arte erudita. Por exemplo, uma musica popular é uma musica erudita. Acho que existe uma única arte, uma única musica como uma única literatura.

A.M. ─ A diferença, então, resultará de puro tratamento técnico.

J.A. ─ É, tratamento técnico e condições de cultura daquele que a realiza. Quando falo elitista eu falo, exatamente, no sentido da realização quando separa a obra da criação do povo da grande a quem ela deve ser devolvida. Porque, ao meu ver, a criação deve nascer do povo e ao povo deve ser devolvida. Às vezes ela nasce do povo e não é devolvida ao povo. É a isso que me refiro quando digo elitista. Por conseqüência, voltando à sua pergunta, os artistas plásticos e os cantores que mais me tocam são aqueles que estão ligados à vida popular, à criação popular. Citar exemplos é sempre ruim porque você comete injustiças.

A.M. ─ As omissões são sempre muito chatas. Falamos em técnica, em arte. Você fez “Quincas Berro D’Água”. O tema é apaixonante, coisa e tal, mas não ouve também intenção de revelar um domínio de técnica literária?

J.A. ─ Não. Eu nunca tive essa pretensão nos meus livros. Acho que cada livro exige uma determinada técnica, uma determinada experiência. Cada livro é uma experiência diferente. Evidentemente ele se beneficia de suas experiências anteriores, daquilo que você adquiriu com o conhecimento do seu oficio. Mas, cada livro exige de você uma nova experiência: o “Quincas...” eu fiz para repetir uma coisa que tenho dito mais de uma vez em meus livros. Coisas que é dita, sobretudo, no “Quincas...” e na historia do Capitão Vasco Moscoso de Aragão (incluída no volume “Os Velhos Marinheiros” ─ nota da redação). Por isso mesmo, inicialmente, eu reuni essas duas histórias num único volume. A coisa é dizer que o homem é capaz de construir seu destino e que o homem tem possibilidade de levar adiante o grande sonho humano de fazer alguma coisa além daquilo que limitações de toda ordem ─ sociais, econômicas, em fim, de todo o tipo ─ tentam impedir que ele faça. No caso de “Quincas...” isso é levado quase ao extremo porque Quincas realiza seu destino mesmo depois de morto. Isso o que quis fazer. Não quis dar nenhum show de técnica e nem isso me passa pela cabeça. Eu não me preocupo com isso quando faço um livro.

turismo: há muito o que fazer

A.M. ─ Já se pode falar em poluição turística na Bahia?

J.A. ─ E eu pergunto se já se pode falar em turismo na Bahia...

A.M. ─ Falou-se em uns 800 mil turistas em 1977.

J.A. ─ Evidentemente, não se pode negar a existência de turistas na Bahia. Eles estão ai. Eles vêm. Mas o turismo apenas começa a se organizar como industria. A se organizar no sentido de que seja um fator ativo economicamente, um fator que traga ─ como traz em todas as partes do mundo, seja no mundo capitalista como no mundo socialista ─ benefícios para toda a Nação. Já há um caminho. Não há duvida que exista esse caminho, mas há muito o que fazer para que a gente possa falar, na Bahia, em termos de turismo organizado. Deficiência de varias ordem estão ai e todo mundo sabe. Mas, agora fala-se em poluição turística...

A.M. ─ Não haverá indícios? Coisas que desde já requeiram atenção, cuidados?

J.A ─ O turismo tem duas faces da medalha. Se o turismo é um elemento que defende o candomblé, as liberdades do candomblé, ou seja, defende o candomblé como item de interesse, ele pode, de outro lado, e sem duvida ele já o faz até certo ponto, influir de forma malsã sobre o candomblé e sobre todas as demais atividades desse tipo. E já influiu.

A.M. ─ Dê um exemplo.

J.A. ─ Vou citar um: o das chamadas “escolas de capoeira” que existiam anteriormente. Ainda existem escolas de capoeira, mas elas mudaram de caráter. As antigas escolas eram para aquelas pessoas, jovens ou não, que iam aprender a jogar capoeira como elemento de defesa. E aos sábados e domingos, de tarde, mestres de capoeira e seus alunos se reuniam para brincar de jogar sem nenhuma outra intenção senão a de se divertirem. Faziam o jogo da capoeira entre eles como um elemento de diversão, de lazer, de alegria. E eram assistidos por umas poucas pessoas do povo e alguns intelectuais que se interessavam por essas coisas, por esse assuntos. Como você, por exemplo, como eu. Hoje as escolas de capoeira continuam a existir, nelas as pessoas vão estudar, vão aprender, mas já não existem aquelas agradáveis reuniões de sábados e domingos. Elas desapareceram...

A.M. ─ Ou só acontece de vez em quando, mas raramente.

J.A. ─ Porque o turismo começou a invadi-las. Aquelas pessoas e os mestres de capoeira passaram a constituir grupo folclóricos ─ em geral pobres, em geral deficientes, um ou outro de melhor qualidade ─ para se exibirem para os turistas. Quer dizer, aí você tem uma mudança qualitativa, ao meu ver para pior. Eu não sou contra grupos folclóricos, acho que eles devem existir. Creio mesmo que eles devem ser prestigiados, de modo a se tornarem excelentes, mas sem que isso venha a destruir de uma vez por todas aquela oportunidade de lazer, aquela alegria que era a capoeira.

chaplin, o grande homem do século

A.M. ─ De todas as personalidades internacionais que você já conheceu, qual a que mais o impressionou?

J.A. ─ Acho que morreu a pouco tempo aquele que foi o maior homem de nossa época, Charlie Chaplin. Não tive a felicidade de privar de sua amizade, mas estive com ele duas vezes. A ultima vez foi quando entreguei o livro de Walter da Silveira (“Imagem e Roteiro de Charlie Chaplin”, nota da redação), explicando quem era Walter, o estado de saúde em que se encontrava. Disse, então, que Walter ficaria muito feliz se uma carta lhe fosse enviada. E Chaplin escreveu. Este homem, eu acho, foi aquele que mais contribuiu, mais do que qualquer estadista, mais do que qualquer outro homem, para a Humanidade, no nosso século. Charles Chaplin... tive a honra e a felicidade, em minha vida, de ser amigo de grandes homens, Joliot-Curie,Ilya Ehrenburg, Pudovkin, Picasso. De Chaplin não fui amigo. A primeira vez quando fomos entregar a ele o Premio Internacional da Paz, que lhe fora concedido, em 1953 ou 54. E outra vez, já disse, quando fui levar o livro de Walter.

A.M. ─ Chaplin já então residindo na Suíça?

J.A. ─ Sim, na Suíça. Acho que este homem deu à Humanidade uma contribuição enorme, imensa, inigualável.


Nota da RedaçãoUm dos principais pioneiro da critica e dos estudos cinematográficos no Brasil, Walter da Silveira publicou, em vida, dois livros: “Fronteiras do Cinema” e “Imagem e Roteiro de Charlie Chaplin”. A Fundação Cultural do Estado da Bahia vai publicar trabalhos que deixou inéditos, o primeiro dos quais “A Historia do Cinema Visto da Província”, com estudo introdutório de José Umberto Dias.