1.2.10

Sante Scaldaferri



Sante Scaldaferri,
entrevista a Ariovaldo Matos



publicada na revista VIVERBAHIA
edição 48, out a dez 79,






Com a mulher, Marina, e três ariscos cachorros dobermann, barulhentos mas definidos como inofensivos, "uns gatinhos", o pintor Sante Scaldaferri mora na avenida das Amendoeiras, em Itapuã. É possível que, ao ser impressa esta edição de VIVERBAHIA, Sante e família já se encontrem na Europa, que percorrem a partir de uma estada em Marrocos, na África. A casa das Amendoeiras, assim, estará entregue a familiares e/ou amigos, boa política, até para protegê-la. E o imóvel merece. É uma residência ampla, uns 400 metros construídos, e amplo é o atelier do pintor, cuja temática forte teria impressionado vivamente o escritor peruano Mário Vargas Llosa, que viu alguns trabalhos de Scaldaferri numa das salas de arte da Igreja de São Bento. E voltemos à casa que, como se diz na gíria, “ela merece”. Há uma piscina nos fundos, além da qual um terreno que Sante namora. Ali construirá, se possível, um atelier mais amplo, “porque há trabalhos - explica - que requerem maior espaço físico para que eu me movimente”. Um dos últimos trabalhos de Scaldaferri, neto de migrantes italianos, se encontra na agência do Iguatemi, do Banco do Estado da Bahia. Nas imediações da piscina, não raramente também procurada por turistas, Sante Scaldaferri fez construir “O Curral”, destacando-se, na parede maior, um mural pejado de ex-votos, carrancas, utensílios variados. É o “Mural de Chico Velho”. Nele a força de um artista plástico impregnado de misticismo e de profunda fé na capacidade criativa do homem nordestino. O que ele tem de coragem e medo, de aceitação e de revolta - e sempre a presença da esperança. Nos olhos e nos estandartes. Nos gestos e nas bocas. A beleza é áspera, mas não agride. O que Sante faz se move e nos imprime sua marca. A sua conversa com o jornalista Ariovaldo Matos:


uma cultura dura e fértil





A.M - Como você se definiria como pintor?

Sante - Realizo meu ofício, mas não gosto de rotular meu trabalho. E é trabalho que faço com amor. Desde criança queria ser pintor e consegui isso sem violentar uma convicção também antiga: só entendo arte aquela que emana do povo e que, para usar uma formulação de Jorge Amado, ao povo é devolvida.

A.M - De que modo você consegue se apropriar dos temas disso resultantes?

Sante - Basicamente, o inicio do meu processo criativo se dá no contato íntimo com as raízes fundamentais da cultura popular. Tento absorver, e não é fácil, uma cultura dura e fértil como um caroço que se faz semente.

A.M - Essa concepção de busca, digamos assim, leva você a recusar “escolas”, etc, essa coisa toda?

Sante - Me leva a ter espírito aberto. Não atendo a modismos, se é isso que você quer sugerir. Eu continuo acreditando, a menos que alguém me convença do contrário, que, por vezes, uma simples colher de pau do artesanato popular tem mais força, poder, do que certos esoterismos.

A.M - Isso significa desapreço ou pouca importância a coisas teóricas?

Sante - Não me entenda mal. O que afirmo, sempre afirmei, é que meu trabalho é fruto de um grande acúmulo de conhecimentos teóricos e de muita vivência pessoal nas fontes do povo do Nordeste. Isso não significa, é claro, desapreço, ou o que seja, a teorias. As coisas caminham juntas. Daí porque viajo muito. Me meto no carro com Marina, sempre que podemos, e saímos por aí, às vezes com programas determinados, às vezes em busca do que o acaso ofereça. E sempre oferece. Aqui, no Nordeste, por exemplo, a arte está presente em todo um artesanato incrivelmente rico no conteúdo e na forma.

A.M - Ia fazer uma pergunta sobre sua viagem à África e à Europa, mas amplie essa resposta. Sobre a riqueza, no conteúdo e forma...

Sante - Riqueza nordestina em termos de artesanato? Claro que é imensa. Ela está presente numa simples colher de pau, nos fifós, nas urupembas, nas formas e desenhos da cerâmica, nas roupas e apetrechos de couro, nos objetos de madeira. Você mesmo, em um conto, se referiu a um porrão e os desenhos neles contidos. Você poderia ter-se referido a qualquer outro recipiente de água, aplicável na sua história, mas você é baiano, você não esqueceu o porrão. O ilustrador do conto, Lage, também usou o porrão, quando poderia mostrar os dois personagens na praia, ou no bar, ou mostrar o rosto da mulher. Entendeu? A coisa fica no subconsciente ou lá como se chame e a gente tem que ir lá no fundo. Isso é importantíssimo. Não é por acaso, assim, que no processo de recriação esforço-me e procuro transpor para a minha pintura tudo o que diz respeito à arte popular do Nordeste.


minhas figuras são gente





A.M - Você sabe que Mário Vargas Llosa ao visitar a exposição permanente do Mosteiro de São Bento elogiou bastante os trabalhos que você tem lá?

Sante - Soube. Um amigo comum me transmitiu a impressão dele. Ainda não conheço, porém, esse escritor tão respeitado. Espero ter oportunidade de estar com ele, antes da minha viagem. Gostaria de ouvir as opiniões que já tenha sobre o Nordeste e, especificamente, a região de Canudos.

A.M - Como você definiria sua pintura, hoje?

Sante - Acima das injunções partidárias, às quais não me submeto, meu trabalho é, no mínimo, a minha contribuição para a melhoria das condições de vida do povo do Nordeste e, numa forma mais ampla, do Brasil e do terceiro mundo que hoje se acham experimentando importantíssimas transformações que vejo como favoráveis a todos os povos. Assim é porque, numa forma mais ampla, o interesse maior de minha pintura é o homem.

A.M - Mas a impressão que se tem...

Sante - Imagino o que você vai dizer. E repito, e tenho repetido isso em várias entrevistas, ou onde quer que a discussão surja, que o interesse maior de minha pintura é o homem e que este homem, muitas vezes, está representado pelo ex-voto. Não é a impressão que você ia transmitir?

A.M - Pelo menos nos trabalhos seus que tenho visto...

Sante - Mas, repare bem, não se trata de simples transposição, não o ex-voto simplesmente jogado na tela. Minha pintura, volto a insistir nisso, é a da gente com cara de ex-voto e não ex-voto com cara de gente. E a gente nordestina. Esta é a segunda grande preocupação: o povo do Nordeste. Aliás, é esse povo com uma capacidade de viver e de lutar que não impressiona apenas aos que trabalham, nas artes plásticas, nessa linha. E sim também inspira, usemos esta palavra, inspira grandes escritores brasileiros. O que é o romance Vila Real, de João Ubaldo Ribeiro, senão a identificação do sofrimento e da luta e o elogio da esperança do povo do Nordeste? O livro, seja qualquer livro, eo quadro, seja qualquer quadro, desde que bons, com suas singularidades particulares e gerais, valem pelo todo e pelo que têm de específico. Você lê de um jato não? Porque prende. Mas, você, depois da leitura, tem necessidade de reler certas partes. Ou não é? Certas partes de uma beleza incrível. Mas é o que se dá com um quadro. Não basta olhar, é preciso ver. E ver sem preconceitos, sem apriorismos.

A.M - Essa sua preocupação com o homem nordestino não o limita no sentido de um regionalismo exacerbado? Não que haja esse regionalismo em “Vila Real”, é claro. Livros à parte, fiquemos em pintura. O tema o limita?

Sante - Não, muito ao contrário.

A.M - Explique,

Sante - A arte e sua linguagem são universais e este não é um problema simples. Vou tentar ser mais conciso. A missão do artista é muito ampla e diversificada. Não poderia deixar de ser, aliás, uma vez que a arte é uma virtude do espírito do homem. Os homens do mundo todo, que têm aspirações comuns, embora as manifestem de diferentes formas. O conteúdo nacional da arte, se efetivamente nacional no sentido de ser determinado por suas raízes populares, ganha uma significação internacional. A busca dessas raízes, sua identificação, seu estudo, têm uma importância essencial. É o que explica, me deixe voltar a argumentar com livros, o êxito internacional de Jorge Amado, apesar das diferenças de idiomas. O que é efetivamente popular projeta-se mundialmente. E não só o popular de origem rural. Assim, portanto, quanto mais nacional uma arte mais internacional ele é, em termos de resultados. Uma pessoa não precisa saber sobre a guerra civil espanhola, aquela coisa terrível, um milhão de mortos, para entender “Guernica”, de Picasso. Acontece, no entanto, que se essa pessoa souber sobre Guernica, o que aconteceu e porque aconteceu ali, o entendimento do trabalho de Picasso será muito mais rico.

A.M - Não é tão difícil de entender. Veja Villa-Lobos na música.

Sante - O exemplo é ótimo e vejo que você me arrasta de novo para área não livre... Tá bom. Veja Villa-Lobos e pessoas amigas minhas, que entendem de música, me asseguram que quem melhor cantou, até hoje, a quinta Bachiana, um negócio genial, brasileiro de fora a fora, foi uma norte-americana, Joan Baez, embora se fale muito numa interpretação de Elizete Cardoso.

A.M - É, mas não há o disco. Ou, se há, é fantasma.

Sante - O de Joan Baez existe. É a tal coisa: as grandes emoções não têm pátria, salvo no sentido de que formalmente se expressam de diferentes maneiras. Mas, a nível de apropriação têm pátria. É aqui que arte e ciência caminham juntas. Mas volto à questão que você colocou. Cada emoção requer, para ganhar universalidade, a mais autêntica tinta nacional. Ou prevaleceria o cosmopolitismo anódino, inconseqüente. É aqui que a forma ganha um significado especialíssimo, de primeiro plano.


Importância e limites do figurativismo



A.M - Você disse, no começo deste papo, que desde criança aspirava ser pintor. Vamos falar sobre isso?

Sante - Não se trata de uma coisa inata, aliás, não sei se existem, de um modo socialmente típico, as tais coisas inatas. Isso me cheira mal. E pode levar a conceitos desumanos sobre “povos superiores”, “povos inferiores”, “raça” isso, “raça” aquilo. Penso que você concorda comigo. Acontece que fui criado de um modo e num ambiente em que minhas tendências, vindas não sei de onde, encontraram oportunidade de ganhar estímulos. Inclusive estímulos materiais, concretos. Eu não precisava sair por aí, como criança pobre, e isso você vê muito, desenhando com lápis, carvão, qualquer coisa, nas paredes. Você ainda vê meninos desenhando balões, arraias (que não devem ser confundidas com as “pipas” lá do Sul), casinhas, essa coisa toda. De sorte que não precisei de paredes. Tinha papel, lápis, o que quisesse. E tinha o colégio, não é?

A.M - Você chegou a freqüentar a Escola de Belas Artes?

Sante - Freqüentei. Em 1957, ano em que terminei meu aprendizado lá, é que comecei, realmente, a minha pintura em forma criativa e profissional.

A.M - A Escola ajudou?

Sante - Ajudou muito, inclusive ensejando o convívio com professores e estudantes extremamente capazes e talentosos. Não é o caso de citar nomes, aquela história das omissões involuntárias. Mas, a Escola ajudou muito.

A.M - Pode-se dizer que é menos razoável o ensino de artes plásticas no Brasil?

Sante - Não se pode dizer isto. De modo geral o ensino de arte no Brasil é muito ruim, a julgar pelo que tenho lido e de acordo com opiniões que tenho ouvido. Acredito que as Escolas de Belas Artes - aliás, eu não gosto dessa coisa “belas artes” ... - são um aspecto do momento crítico em que vive a Universidade brasileira.

A.M - A crise é mundial. Faz alguns meses o Milton Santos deu à “A Tarde” uma excelente entrevista sobre isso.

Sante - Me falaram, mas não li. Devia estar viajando. No caso da Universidade brasileira, a crise que atinge as Escolas de Belas Artes, e esta é a minha transa, chega a ser dramática. Ou, pelo menos, tem aspectos dramáticos. Mas, tenho para mim que, no final das contas, toda escola tem pontos bastante positivos e é preciso valorizá-los adequadamente. Essa coisa de “fechar para balanço” é muito radical e com certeza não leva a nada. Os radicais são uns chatos.

A.M - Uma das conclusões que se pode chegar a partir da análise feita por Milton Santos é a de que a crise universitária é parte de uma crise geral.

Sante - Sem nenhuma dúvida, mas essa crise, as discussões em torno dela, já não se limitam aos gabinetes dos tecnocratas. É à luz do sol que, agora, as questões são debatidas e presentemente está em curso um processo de se repensar a Universidade brasileira como um todo e acredito que os resultados favorecerão, também, as Escolas de Belas Artes.

A.M - Falar em “à luz do sol”, você foi aporrinhado pela censura, alguma vez? Houve aquele caso de Minas Gerais...

Sante - A verdade é que a censura jamais interveio em meu trabalho e se houvesse eu teria botado a boca no mundo, como se diz. Aliás, vivemos um momento de redemocratização do país e isso parece assegurar que a censura, de um modo geral, se tornará menos burra e que a autocensura tende a desaparecer ou a ser minimizada. A autocensura a partir de condicionamentos políticos, quero dizer. Porque há pessoas que, no ofício das artes plásticas, se autocensuram, se autolimitam pensando na censura que existe em função das exigências do mercado comprador. Ou da parte dele que exige coisas bonitinhas, engraçadinhas, pitorescas, essa papagaiada toda. Você não ignora isso.

A.M - Pelo que me recordo você teve uma fase abstracionista. Por que?

Sante - De 1957 a 1960, por aí, no seu modo exterior, minha pintura apresentava três características principais: pesquisa da matéria, simplificação da forma e bidimensionalidade. Daí para o abstracionismo foi um passo. A pesquisa da matéria e a bidimensionalidade permaneceram. A simplificação da forma transformou-se em forma abstrata pura.

A.M - Um certo elitismo?

Sante - Não, creio que não. A forma exterior dos trabalhos deste período não representava o produto elitizado do que se convencionou chamar de “fatores existenciais”. na sua forma aerofotogramétrica, ela guardava coerência com meus conceitos teóricos, em parte forjados na Escola de Belas Artes, quanto à arte, no sentido da linguagem, ser a expressão de uma atmosfera nordestina.

A.M - Excursionando ainda, de quando em quando, no uso do abstracionismo, a exemplo do seu trabalho na agência do Baneb-Iguatemi, pode-se dizer que, em essência, você se voltou para o figurativismo?

Sante - Não se trata bem de uma excursão episódica, como pode parecer, mas não seria o caso de a gente debater isso. Ou seria?

A.M - A pergunta é: você se voltou, basicamente, para o figurativismo?

Sante - Felizmente não tenho, absolutamente, do que me arrepender. É bem ao contrário. Mas se trata, note bem, de um figurativismo mais consciente, mais elaborado, mais popular, com um desenganado e claríssimo empenho de denúncia e recusando qualquer tipo de alienação.

A.M - O que o faz voltar-se assim para o figurativismo?

Sante - Essa volta, esse retorno, deu-se por uma série de fatores. Eu passei a querer, com paixão, gentes, bichos, coisas nas minhas telas. Além da insatisfação pessoal, considerando as telas, ao verificar que a fase abstracionista não atendia à contribuição a que me propus, também verifiquei, como outros verificaram (disso, aliás, na época eu não tinha conhecimento), que aquela linguagem era inacessível às massas. Não tinha, a rigor, a seriedade que marca tantas realizações abstratas exigentes do maior respeito. Não se tratava e nem se trata, de elitismo, que é outra história, e sim se tratava de que eu e outros, antes, estávamos macaqueando formas, teorias e conceitos que nada tinham a ver com o povo brasileiro e, em conseqüência, não dispúnhamos de uma linguagem nacional de valor universal. Isso precisa ficar muito claro: fazíamos macaqueações. Como muitos escritores, e não só romancistas e contistas, ficam macaqueando o que vem lá de fora. Então, revi as posições que antes havia adotado e isso aconteceu em 1964. Mas, de outra parte, suponho que não é justo, não é real, não é verdadeiro, confundir elitismo, que também condeno, com macaqueações. Se tomarmos a literatura, para efeito de comparação, você não diria que Proust, com o elitismo dele, tenha macaqueado quem quer que seja...

A.M - Botando Proust de lado, ele não é o caso, lembro de você ter dito que suas figuras são gente com cara de ex-voto e não o contrário. Bem. Isto garante a universalidade de sua pintura?

Sante - Creio que sim, embora universalidade, aí, deve ser encarada com a necessária humildade artística. Como disse antes, este não é um problema simples. A pintura, para ser válida, tem de ter, necessariamente, uma linguagem universal. No meu entender existe uma pintura com temática brasileira, entre outras a minha. Mas, se considerarmos toda essa rica temática e a estudarmos em profundidade, veremos que só as formas exteriores, a ambiência, são brasileiras. Por exemplo: as origens dos ex-votos, das pinturas votivas, são universais, provindas do cristianismo. Existem em vários países e foram transpostas para o Brasil durante a colonização. É o que antes disse: o que dá caráter nacional a qualquer tipo de arte são os acréscimos específicos das peculiaridades de cada povo, de cada nação. Esses acréscimos, quantitativos e qualitativos, têm suas fontes nas raízes da cultura popular. A rigor, o que existe de mais puro e autenticamente brasileiro é a arte indígena, feita antes do descobrimento, principalmente a arte dos índios marajoaras.

A.M - Outro tema: como você se comporta diante da pintura mural?

Sante - Trata-se, no caso, de compor de acordo com a arquitetura, buscando-se perfeita integração do mural em si com a arquitetura ambiente e nesse caso tanto pode ser figurativo quanto abstrato. O importante é não haver discrepância entre o mural e o espaço a que vai integrar, tanto o interno quanto o externo. Como a pintura de cavalete, o entalhe, o alto relevo, etc... o mural tem características próprias como também suas técnicas. caso não sejam aplicadas, cai-se , inevitavelmente, no ilustrativo ou no anedótico. Naturalmente, existem o casos especiais e penso no espaço arquitetônico em que caibam quadros de grandes dimensões, painéis formados por diversos quadros, trípticos, etc. Como também a obra monumental a dividir o espaço arquitetônico. O mural, portanto, é um tipo de pintura com características próprias.

A.M - A Bahia é rica sob esse aspecto?

Sante - Começa a tornar-se. Por ser de custos elevados, somente o poder público e algumas empresas têm permitido, em Salvador, a execução de obras de arte monumentais e deve ser registrado que o interesse dos governos por obras de arte é cada vez maior. Haja vista as recentes iniciativas dos governos municipais do Rio e de São Paulo, colocando esculturas em praças públicas. Ou, igualmente da maior importância, as iniciativas do Governo ACM em mandar colocar obras de arte monumentais nos edifícios do Centro Administrativo. Existe, em Salvador, uma lei já aprovada pela Câmara de Vereadores, determinando que em cada edifício a ser construído, tenha, obrigatoriamente uma obra de arte. Esta lei, contudo, nunca entrou em vigor, de modo sistemático, por falta de regulamentação. Aí é que reside todo o problema?

A.M - Por que?

Sante - É que uma regulamentação mal feita seria catastrófica para a cidade. Entendo que a lei, em si, é uma faca de dois gumes, excelente quando abre um novo mercado de trabalho, mas, por outro lado, estaríamos sob perigo de maior poluição visual. Mas, não se trata de uma dificuldade insolúvel, desde que, repito, haja uma boa regulamentação.

A.M - Onde, exatamente, as dificuldades?

Sante - É que são necessários critérios estéticos e técnicos que, ao menos, minimizem as contrafações. Um grupo de trabalho que reunisse artistas, economistas, pessoas de reconhecido bom gosto, etc., poderia começar a trabalhar nessa regulamentação, cuidando de não impedir o acesso de jovens talentosos, sérios, etc. Ou então triunfariam as “panelinhas”, o que não aproveitaria a ninguém e prejudicaria enormemente a cidade.


Biografia

Sante Scaldaferri




Natural de Salvador, onde nasceu em 1928, Sante Scaldaferri, é pintor, gravador, tapeceiro, ator, cenógrafo, professor. Em 1957 formou-se em pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Na mesma instituição estudou a técnica de encáustica com Rescála (1910 - 1986) e fez curso livre de gravura com Mario Cravo Júnior (1923). Scaldaferri foi responsável pela implantação, em Salvador, dos centros de formação artesanal do Serviço Social do Comércio - Sesc, do Serviço Social da Indústria - Sesi e da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Em meados da década de 1950 atuou como cenógrafo em produções relacionadas ao cinema novo e como ator em filmes de Glauber Rocha (1939 - 1981). No início de sua trajetória artística realizaou retratos e pinturas de temática social. Entre 1960 e 1964, foi assistente artístico da arquiteta Lina Bo Bardi (1914 - 1992) e professor da Escola da Criança do Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA. O artista criou também vários painéis para espaços públicos localizados principalmente em Salvador. Publicou, em 1997, o livro Os Primórdios da Arte Moderna na Bahia, pela Fundação Casa de Jorge Amado. Em 2000 foi realizado o vídeo Sante Scaldaferri - A Dramaturgia dos Sertões, com fotografia de Mario Cravo Neto (1947) e direção de Walter Lima, e, em 2001, o vídeo Sante Scaldaferri: Erudito e Popular, com direção de Maria Ester Rabello. Em 2003 foi lançado o livro Sante Scaldaferri: Desenhos, pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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