28.2.10

Mário Cravo Jr.



Mário Cravo Jr, entrevista a Ariovaldo Matos



publicada na Revista VIVERBAHIA
edição 47, julho a setembro de 1979






Em quinze das muitas rótulas do bairro Costa Verde, em Piatã, (a poucos minutos das praias de Itapuã), encontra-se, desde algumas semanas, esculturas de Mário Cravo Jr., baiano de Salvador, com 55 anos, que tem trabalhos expostos em várias cidades do mundo. Ao que se sabe, não há exemplo de algo semelhante em qualquer parte dos países ocidentais. Existem exposições abertas maiores (o Parque de Catacumbas, no Rio, por exemplo) mas se tratam de mostras coletivas. No Costa Verde se trata de um só criador e outra peculiaridade dessa exposição, de alto nível artístico, consiste em que Cravo Jr. renovará os trabalhos, de acordo com períodos que ainda não estabeleceu.

Num bate-papo com Ariovaldo Matos, Mário Cravo respondeu a numerosas indagações para os leitores de "Viverbahia".

Ari - Antigamente, Mário, essas exposições ao ar livre eram puramente estátuas. Uma aqui, outra lá... Não é isso?

Mário - É. Eram feitas para homenagear personagens, eram generais, estadistas, grandes vultos, gentes de notoriedade, digamos, política e patriótica. A escultura contemporânea veio trazer um envolvimento mais independente, de certa forma, fugindo a essa espécie de subordinação. E daí surge essa inquietação do público que, de modo geral, quando vê uma escultura livre se pergunta: "que é que significa?". Porque o público está sempre relacionando uma escultura livre com uma forma descritiva, literária, de personagem ou personagens. E isso é quase um reflexo histórico.

Ari - O que pretende a escultura contemporânea?

Mário - Pretende uma ambientação paisagística, compreendeu? É uma comunhão com a natureza, com a topografia, com o homem a pé ou andando de carro. Esse é que é o problema, é como uma escultura a respirar à luz do sol, quando as pessoas podem "curtir" uma escultura como "curte" uma árvore, uma paisagem amena, ou um jardim. Essa é a intenção social, digamos, e humana e escultural, dentro de minha maneira de pensar.

Ari - Sua primeira exposição ocorreu quando?

Mário - A primeira individual, deixe eu me lembrar... Em 1945, 44, por aí, no Oceania.

Ari - Você disse, no início da nossa conversa, que começou cedo a trabalhar em escultura, aos 17 ou 18 anos. Nessa época você também pintava?

Mário - Eu ainda pinto, de vez em quando, mas não quadros de cavalete. Desenho permanentemente, faço gravuras, mas pintar, não.

Ari - Aquela exposição sua que deu uma bronca danada, aquela na qual você mostrou um Cristo sexuado, o sexo bem à mostra, se lembra?

Mário - Ah! essa foi na Rua Chile, em local onde hoje há um banco. Isso já é aí por volta de 1948 ou 49. Naquele período eu estava muito envolvido com experiências, estava querendo me acercar de certas formas, assim, de origens antropológicas, sociológicas, etc. Então eu fazia uma série de experiências , tentando reinterpretar um processo, digamos de miscigenação, de aculturação. Fiz experiências curiosas no sentido de ver, em termos de uma linguagem plástica, por exemplo, como você pode, dentro de um processo de especulação criadora, tentar evidenciar certas situações. Situações que, por mais incrível que pareça, são às vezes paradoxais. Por exemplo: o que representa a imagem do Cristo crucificado, aqui na Bahia, em relação a Oxalá. Por que essa veneração popular do baiano ao Senhor do Bonfim? Por que a relação da coisa popular, através do culto afro-baiano - através de Oxalá, que é um Deus da procriação, da oblação, da limpeza - com o Cristo crucificado? É paradoxal e esta é que é a realidade-tabu da questão. Me interessei pelo assunto não só porque como Caribé e outros artistas freqüentava o candomblé e observava que a maioria, também dos intelectuais de um modo geral, não tentava uma especulação que transcendesse ao puro e simples registro documental. Eu estava interessado em algo mais por trás da aparência sócio-cultural. Descobri a relação de que Oxalá, um Deus da maior importância, é cultuado numa colina. É, aliás, a única deidade africana que está sempre isolado sobre um morro. Então, como Cristo passou a ser, no Cristianismo, uma personalidade da maior importância, eu tinha de encontrar um equivalente. E como a única Igreja na Bahia que existia isolada era, é, a Igreja do Bonfim, eu comecei a juntar dados dessa natureza e a interpretar. Decidi, assim, criar um personagem que fosse, ao mesmo tempo, um Cristo crucificado, um Oxalá, um deus da procriação. Então fiz aquele Cristo...

Ari - Não foi, então, como se pensou na época, uma atitude puramente "pour épater..."

Mário - Não, absolutamente, não foi. Uma pessoa seriamente interessada nesse problema não fustiga essa minha posição. Pode ser que outros pratiquem o inverso, entende? A pura e simples curiosidade para ferir certos cânones de ordem moral ou religiosa, não, isso nunca me preocupou. A minha visão é que as vezes isso pode acontecer. Esta é outra história. A cidade é reacionária. Era, é. A Bahia é uma das cidades mais reacionárias do Brasil e isso há 20, 30 anos passados, era ainda pior. Eu fiz uma exposição, essa de que você falou, e coloquei lá um Cristo meio rebelde, em forma de cruz, com o sexo em ereção porque era um personagem fálico. A coisa curiosa e paradoxal é quando você realiza um objeto desses - que é, por sua vez, de certa maneira, uma interpretação subjetiva - há sempre opiniões malévolas. O que eu notei e noto quando se apresenta um público de vários níveis é que acontecem coisas curiosas. O homem de classe média, da pequena burguesia, vê nisso uma agressão de ordem moral e de ordem religiosa, uma espécie de grito iconoclasta. E o homem do povo só vê a simbologia com seu mecanismo africano, puramente. Então, a maioria vê ali uma forma de Exu, com seu envolvimento de coisa afro, e a burguesia cristã, não importa que cor tenha, vê a tal agressão de ordem moral. Então, quando você me faz uma pergunta dessa constata-se nela a repulsa de ordem moral que a sociedade estabelecida na época tinha a respeito de uma imagem de Cristo relacionado com uma forma também fálica.






Ari - Na época a coisa assumiu aspectos de um escândalo. Na pergunta há, ainda, ressonâncias...

Mário - Mas o fato é que a coisa não foi feita com o sentido de agredir o contexto de ordem cultural. Tanto que isso só foi notado porque eu coloquei uns desenhos ilustrativos, como sempre costumo fazer em minhas exposições. E havia, naquela exposição, além desse personagem, um desenho que chamei de Cristo Baiano. Então se passou a relacionar o desenho com a imagem e ver nessa relação uma identificação. E não havia tal identificação. Eu pus um título para chamar a atenção e não notei que se poderia chegar a conclusões arbitrárias a partir de um desenho preliminar. Mas isto não constou do catálogo, absolutamente. Isso foi descoberto pelo público de um modo geral. Estabeleceu-se uma certa celeuma, como se tivesse havido intenção de agressão moral ou religiosa.

Ari - Falemos de outras exposições. Você é pioneiro nas exposições ao ar livre?

Mário - Fiz muitas, aqui, na Bahia, exposições ao ar livre. Ali no Belvedere fiz três ou quatro e vejo que essa tentativa minha de levar esculturas ao ar livre, considerando aquela época, já começa a funcionar no Brasil. Eu agora estou terminando de entregar dois trabalhos de grande porte, como escultor brasileiro, a dois empreendimentos brasileiros desse tipo. Um é a Praça da Sé, em São Paulo, em que 14 artistas do Brasil foram convidados para, com esculturas, ambientar uma praça urbana. E, ultimamente, no fim do governo do prefeito do Rio de Janeiro, Marcos Tamoio, fui convidado, ao lado de outros escultores, para apresentarmos trabalhos para um parque de esculturas, ali na Lagoa Rodrigo de Freitas, na antiga favela da Catacumba. Então, vejo que esse esforço meu está plenamente compensado quanto àquelas intenções que tive desde o começo. As esculturas que fazia, de grande porte - no fundo, contrariando pessoas amigas, como meu próprio pai - pareciam destinadas ao insucesso. Porque, então, fazer objetos de grade porte significava, em princípio, não ter onde os colocar. É aquela coisa: antes havia apenas as estátuas de homenagens, etc. Já conversamos sobre isto.

Ari - Sabemos que você começou cedo. Já na década de 40 você realizou estudos no exterior...

Mário - Em 1946 eu fui à América, com Carlos Bastos. Éramos jovens, ainda, e eu tive a chance de trabalhar com um escultor importante, que ensinava em Nova Iorque.

Ari - Quem?

Mário - É um iugoslavo, Ivan Mestrovic. Este homem, de origem humilde, era um pastor croata. Católico, cristão, católico praticante. Muito jovem, demonstrou talento e foi um dos discípulos de Rodin, em Paris. Rodin teve três grandes discípulos que se tornaram famosos: Maillot, Camille Claudel e esse Ivan Mastrovic. Tudo no começo do século XX. Anos antes eu vira numa revista de arte algumas esculturas dele e fiquei tremendamente impressionado. Porque o trabalho dele é assim um pouco “art nouveau”, figuras mais ou menos estilizadas e eu estava, no período, muito próximo desse tipo de linguagem. Assim, também, estava com uma forte dose mística, coisa com a qual no período estive envolvido. Durante a guerra ele foi “maquis” contra as tropas de Hitler. Preso, foi posto num campo de concentração. Quando Tito assumiu a liderança, por ser um elemento de atividade política cristã, Mastrovic outra vez foi posto em cana... E em 1945, por interferência do Vaticano, afinal, ele foi levado para os Estados Unidos, país com o qual ele já transava antes, realizando esculturas de grande porte. Então, o Metropolitan, de Nova Iorque, que nunca houvera feito exposição de artista vivo, fez uma retrospectiva dele, também em 1945.

Ari - Você assistiu a exposição?

Mário - Não. Como disse fui aos Estados Unidos em 1946. Sobre a exposição vi publicada uma grande reportagem na revista “Life”, na qual se informava que ele estava ensinando na Universidade de Siracuse. Fiquei apaixonado, em parte já conhecia informações e comentários sobre a escultura dele, e me disse: “vou tentar ver se rompo aqui as barreiras desta cidade” Aí, fiz uma cartinha dizendo que estava interessado na possibilidade de estudar com ele, essa coisa. Na Universidade me responderam dizendo que o semestre estava encerrado, mas que Mestrovic tinha sob si a responsabilidade de escolha de dois alunos especiais, sob inteira responsabilidade dele. E que eu mandasse umas fotografias para ver se ele me aceitaria. Eu, então, mais do que depressa, mandei algumas fotografias sobre o que já tinha feito e tive o prazer de ser aceito. Passei com ele um semestre na Universidade. Depois, fui para Nova Iorque e passei um ano e dois meses lá, já na vida mais como profissional. Foi minha primeira grande experiência profissional no exterior.

Ari - Sua vida profissional começou com aquelas primeiras exposições feitas aqui na Bahia?

Mário - Não. Ou melhor, o profissionalismo começa quando se assume uma responsabilidade social e cultural, o que equivale a uma independência econômica e financeira. A escultura naquela época, eu sendo um jovem pretendente, não permitia que eu sobrevivesse da pura e simples linguagem artística. Tanto que os meus primeiros trabalhos aqui, que eu conseguia vender, foram retratos na maioria. Retrato do velho Suerdieck, por exemplo.

Ari - Desenho?

Mário - Não, cabeça, retrato, busto. Fiz a cabeça do velho Suerdieck, do velho Corrêa Ribeiro. Fiz a cabeça de Rui Barbosa para o Fórum. Aquilo eu fiz em 1947. Esses foram, entre poucos outros, os primeiros trabalhos realmente importantes. Já havia, em parte, o reconhecimento de minha atividade por parte do Poder Público, quando Mangabeira, como Governador, fez o Fórum Rui Barbosa. Fui, muito jovem, indicado para realizar um estudo e fiz então a cabeça do Rui que está lá, no Fórum. Mas é o tipo do trabalho remunerado que era possível fazer na época.





Ari - Com quem, realmente, você se iniciou?

Mário - Meu primeiro trabalho, realmente, de oficina foi feito com Pedro Ferreira, o último grande santeiro baiano. O segundo, com quem eu tive um contato assim maior, foi já no Rio de Janeiro. Com um escultor chamado Humberto Cozzo, que é vivo ainda. Essa exposição que eu fiz agora, ao ar livre, no Rio de Janeiro, na Praça Nossa Senhora da Paz - 70 anos de escultura, reunindo uns 50 escultores -, o Cozzo estava no meio. Foi a primeira exposição patrocinada pela Globo, se não me engano. Cozzo foi o primeiro professor que tive, o primeiro mestre digamos assim, isso por volta de 1945, 1946, antes de minha viagem à América. Antes, portanto, do meu trabalho formal com Mestrovic.

Ari - Quer dizer que a sua viagem à América foi mesmo marcante.

Mário - Ah, sim, foi marcante. Tomei contato com as formas de linguagem, de técnica, de vocabulário contemporâneos.

Ari - Nesse sentido se pode falar de influência, essa coisa...

Mário - Influência no sentido de convívio com o mecanismo mais amplo da linguagem criadora da arte contemporânea. Pude visitar museus. Pude conviver com artistas importantes de nossa época, por intermédio do relacionamento permitido pela embaixatriz Maria Martins, que é escultora, que vivia em Nova Iorque. Essa senhora tinha uma casa freqüentada por grandes nomes da pintura contemporânea, na época radicados em Nova Iorque. Marcel Duschamps, Max Ernest, enfim uma dezena de pessoas, homens expoentes, europeus que viviam em Nova Iorque.

Ari - Depois de Nova Iorque, e ainda no exterior?

Mário - Depois, a experiência maior que tive, em termos de vivência, foi um período que passei na Europa, em 1960.

Ari - Essa foi a época da Alemanha?

Mário - Não, a Alemanha foi em 1964. Em 60 eu fui com um irmão meu, o Jorge, Cravinho, e passamos meio ano percorrendo a Europa de carro, visitando museus, galerias, tentando tomar um banho... Na época estive na Bienal de Veneza, foi quando representei o Brasil nessa Bienal. Então, essa ida minha à Europa já como escultor credenciado me deu para ver um outro tipo de engrenagem, como funcionam os mecanismos nas grandes feiras internacionais de arte. Vi, portanto, um outro lado da história: a competição, a política entre as artes. isto me deu muita experiência. Isso, repito, em 1960. Em 1964 eu tive já um convite para permanecer na Alemanha, através de um programa da Fundação Ford, chamado “Artistas em Residência”. Foi um período de atividade mais estável.

Ari - Na Alemanha Ocidental?

Mário - Sim, em Berlim. Foi uma dessas coisas fantásticas que a Fundação Ford faz de vez em quando. Cerca de 26 artistas, desde críticos de arte, músicos, musicólogos, poetas, escultores, chamados a viver em Berlim Ocidental com a suporta intenção de dinamizar a vida cultural da cidade. Realizavam-se trabalhos, faziam-se exposições e não obrigava, inclusive a você permanecer lá, a não ser um terço do tempo. Você podia sair, voltar, essa coisa, ir à Alemanha Oriental, como eu fui, várias vezes. Não havia essa intenção assim de bloqueio, embora o projeto fosse patrocinado pela Ford Foundation e, naturalmente, pelo Senado de Berlim, mas nas estruturas políticas do mundo ocidental, lógico. Isso foi também uma experiência de certo modo gratificante e também, como todas elas, com seu lado doloroso, difícil. O convívio, naquela época entre as duas cidades - não sei como está agora - era muito difícil, por mil e uma razões. Mas eu tive chance de sair, de passar dois meses na Itália, um mês na Espanha. Enfim, andar pela Europa toda. De volta para cá eu passei mais seis meses na América e tive então oportunidade de fazer uma outra experiência interessante, a convite do Departamento de Estado americano. Para visitar a parte pedagógica de educação de arte em cerca de 12 escolas de belas artes. Visitei nove. As mais famosas escolas de arte da América, fazendo palestras, falando com os professores. Isso me deu uma esplêndida vivência no que concerne à parte pedagógica de ensino de arte.

Ari - Você tem obras em vários museus do mundo, não é, Mário?

Mário - Tenho, em alguns. Tenho coisas até na Rússia, em Leningrado. O Chateaubriand, por exemplo, era um homem que tinha uma experiência muito curiosa. Ele adquiria trabalhos de artistas não tão notáveis e então os doava a museus. É o que explica a minha presença no Museu de Leningrado.

Ari - A Exposição do Parque do Costa Verde, você já disse, é uma experiência singular. Você tem trabalhos em praças de países estrangeiros? Fora de Museus, é claro.

Mário - Não. Em praças, não. Eu fiz exposições ao ar livre lá fora. Em Washington, por exemplo, em 1960. E há outros casos mas em exposições cíclicas, não permanentes. O trabalho de exposição de esculturas é muito complexo pela problemática que envolve. Por exemplo, uma exposição de esculturas ao ar livre só pode ser feita através de um órgão patrocinador que tenha recursos para o investimento. Até para que você possa embalar e transportar, 5, 10, 15 toneladas. A exposição ao ar livre, que é a que mais me estimula, se dá em casos raríssimos.

Ari - Sua escultura para São Paulo, para a Praça da Sé, já está lá?

Mário - Não. Eu a executei aqui e essa escultura participa ao lado dos trabalhos de 13 outros escultores. Lá em São Paulo, deixe eu explicar, eles selecionaram 14 escultores e todos tiveram prazos de oito meses para executarem seus trabalhos, eu entre eles. Os escultores, entre outras coisas, ofereceram duas opções, duas maquetes, das quais os paulistas escolheram uma e parte deles recorreu ao processo industrial do trabalho. Eu, como transo muito com essa coisa de oficina, resolvi fazer eu mesmo minha própria escultura. Ela foi feita aqui, em meu atelier. Uma escultura de dois metros e quarenta, mais ou menos, por dois metros e vinte. Foi então contratada um empresa de São Paulo responsável pelo transporte. Vieram aqui apanhar, eu entreguei a escultura e o chofer, no limite da Bahia com Minas, dormiu no volante, caiu num despenhadeiro, matou - se não me engano - duas ou três pessoas e despedaçou a escultura. Eu estive lá, examinando, dei o meu laudo, considerando o trabalho irrecuperável e estou aguardando que solucionem a parte do seguro para refazê-lo.

Ari - E a do Rio?

Mário - Já está lá. Essa foi feita numa indústria, porque houve um tempo muito limitado. Marcos Tamoio convidou, pelo menos a nós aqui da Bahia - o Caribé e o Tati Moreno também - uns 30 dias antes da inauguração da Praça. Então eu tive de executar o trabalho já no processo industrial. Uma indústria, a Fonte Nova, colaborou e eu executei, metalizando-a também. Aliás, mandei-a de caminhão e esse caminhão também caiu na estrada, mas essa só estragou uma parte e eu consegui restaurá-la. Ela foi transportada para o local de helicóptero, uma experiência muito curiosa. Do piso da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde há um campo de futebol, um parque lazer, agora. Daí até o local onde era a antiga favela da Catacumba. Ali foi feita uma série de passarelas, de ambientação muito agradável e foram colocadas, lá, uma vintena de esculturas. Você vê a paisagem da Lagoa, e, na frente o mar, muito interessante. Bem mais interessante que o de São Paulo. Porém, o material, qualitativamente, me parece que o de São Paulo foi melhor selecionado, talvez devido ao tempo disponível.






Ari - Essas formas que você adota elas lhe são sugeridas de que modo?

Mário - Aí a coisa começa a se complicar um pouco... Há no trabalho de artes plásticas, uma tentativa, me parece, de definir a relação entre linguagem, gramática, estilo e a constante procura das fontes de estímulo que irão caracterizar suas vária etapas. É o artista à procura do seu próprio estilo. Eu, desde cedo, tive sempre uma inquietação, de um lado com as coisas assim mais emotivas, mais imediatas, mais sensoriais ou mais sociais em termos imediatistas. Como por exemplo a fase de abordar raízes antropológicas, digamos culturais. Mas, em paralelo tinha também inquietações de caráter formal, quer dizer, como é que você põe a linguagem para fora. Como é que você descobre uma maneira que é sua. Então, veja: eu fiz centenas e centenas de Cristos crucificados. Fiz também centenas de Exus... Em determinando momento eu estava interessado - porque meus filhos eram jovenzinhos interessados em animais e insetos - na zoologia e então fiz uma piquetada de formas aladas, formas que representam a maioria das esculturas que mandei para Veneza em 1960. Mas, você pergunta: “que animal é esse?” Ou “que tipo de borboleta é esse, qual a classe, qual a família?”. Ora, o problema não é esse: uma forma alada é uma forma alada. Determinado período, já na década de 70 eu me interessei por formas vegetais, plantas, musgos, frutas que desabrocham. São essas as formas - entende? - que caracterizam uma observação relacionada com a natureza, que é o homem e que é também o objeto. Então você não diferencia bem, depois de se envolver muito com essas variáveis, até que ponto, uma forma de proteção de uma planta é uma forma de mãe, é um feto. Não há muita diferença. As pessoas é que ficam perdidas quando perdem esse elo imediatista da compreensão de uma temática. E se esquecem que a profundidade das referências está em mil e uma gradações. A maneira com que uma planta abriga o seu núcleo é uma vulva feminina, não tem diferença do ser mulher, maior ou menor. Uma planta pode ter o sensualismo das nádegas de uma mulher. Então, até que ponto se relaciona com isso, isso está ligado a um tipo de vocabulário que deveria definir estilo. Então é muito difícil a um artista que faz uma série de especulações em seu atelier, que não mostra isso sistematicamente ao público, tentar simplificar as coisas. A maioria das pessoas não pode entender e não é educada para isso. E não compete, por sua vez, ao artista, estar martelando questões assim e elas não têm condições de distribuir esses ensinamentos, essas informações a todo e qualquer indivíduo. Ainda mais um povo como o nosso, ao qual falta a informação intermediária. Então, todo ato de maior inventividade plástica se torna, aparentemente, numa coisa que até parece gratuita, “pour épater”, para escandalizar (...) Há uma tendência muito curiosa de as pessoas exigirem uma espécie de nomenclatura do objeto. É um fenômeno de ordem histórica: “o que significa?”. Pela utilização que as religiões fizeram dos artistas, que os poderosos fizeram dos artistas, como forma de documentação. Então você não pode hoje aceitar a idéia de que há uma espécie de libertação desse tipo de compromisso. As pessoas ficam até frustradas e se perguntam: “que é que ele quer dizer?”. (...) É como aquela escultura lá em baixo, defronte do Mercado Modelo, ali, na Rampa. Me perguntam: “que significa?”. Respondi: é qualquer coisa de sensual e aí interpretaram “sensual” por sexual, o que não tem nada a ver.


Fotos: Mário Cravo Neto

4 comentários:

dade amorim disse...

Gosto do trabalho dele, que conheci lá no Parque da Catacumba.
Fred, não estou conseguindo entrar no Horas, meu pc trava, não sei ainda por quê.

Beijo e obrigada pelas palavras tão boas de ler.

Fred Matos disse...

Você também, Dade?
Acho que terei que reformular o blog inteiro, pois muitas pessoas estão tendo dificuldades.
Beijos

Otelice disse...

Parabéns pelo espaço. Muito bom.

Fred Matos disse...

Obrigado, Lice.
Volte sempre
Beijos